Capítulo 6

POPULAÇÃO

O Brasil, por conta de seu histórico de formação territorial, apresenta uma população cujas origens são essencialmente multiétnicas. A história do Brasil e de suas diversas partes é a história da relação – inerentemente violenta, diga-se – entre os colonizadores europeus e os diversos povos originários do continente americano (os indígenas, cujos territórios são invadidos e conquistados pelos europeus, resultando no genocídio/extermínio e escravidão de grande parte deles) e os diversos povos africanos que são escravizados e trazidos às colônias europeias na América, como o Brasil.

Até o século XIX, o percentual de pessoas de origem marcadamente europeia na população brasileira era muito pequena, com ampla prevalência de pessoas de origens indígenas e africanas. Tal fato, somado às crescentes pressões internacionais para que o Brasil abolisse a escravidão a partir do século XIX (notadamente por parte da Inglaterra), levou o Governo Lusitano e, posteriormente à Indepednência (em 1822), o Império Brasileiro, a fomentarem políticas de incentivo à imigração europeia ao Brasil, resultado em aporte de significativo contingente de pessoas de origem germãnica (sobretudo em meados do século XIX) e italianas (principalmente entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX), que se tornaram, depois dos portugueses, a principal matriz europeia da população do Brasil.

Os Governos Lusitano e Brasileiro visavam, com tal movimento migratório, simultaneamente: (1) garantir o provimento de mão-de-obra para assegurar a produção da agricultura brasileira em suas áreas economicamente mais dinâmicas (ante a iminente ameaça ao regime escravocrata, que vinha ganhando força dentro e fora do Brasil); (2) fazer avançar as fronteiras agrícolas em áreas onde a colonização ainda era bastante incipiente (como foram os casos da Região Sul e de partes do Espírito Santo); e (3) promover o “branqueamento” da população nacional, ampliando assim – em consonância com as ideias racistas e evolucionistas em voga à época – o percentual de pessoas “brancas” dentre a população nacional.

A partir das primeiras décadas do século XX, entretanto, as migrações externas não-portuguesas praticamente cessaram. Houve, de fato, a manutenção de correntes migratórias oriundas dos países Ibéricos (portugueses e espanhóis), migrações japonesas, polonesas e de povos do Oriente Médio (sobretudo sírio-libaneses), mas isso ocorreu em proporção muito inferior ao verificado entre a segunda metade do século XIX e os primeiros anos do século XX, quando correntes migratórias germânicas e, posteriormente, italianas entraram com forte ímpeto no território brasileiro..

Além das correntes externas, cada grande transformação no território brasileiro tendeu a desencadear fluxos migratórios internos, os quais se mantiveram expressivos ao longo de toda a nossa história.

A ascensão da extração de Ouro e Diamantes, ocorrida no século XVIII, por exemplo, desencadeou uma forte onda migratória das áreas litorâneas do Brasil (que, por conta da lógica agrário-exportadora de sua economia, era então a região mais populosa de seu território) rumo às cidades mineiras, interiorizando o processo de colonização, até então basicamente restrito ao litoral e ao sertão nordestino.

O crescimento do café e sua chegada a condição de carro chefe da economia nacional em meados do século XIX teve efeito semelhante, promovendo um forte fluxo migratório rumo às principais regiões cafeicultoras (partes do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e praticamente todo o território de São Paulo, sobretudo o Oeste Paulista).

Em virtude da ascensão cafeeira coincidir com as adversidades ao regime escravocrata e, consequentemente, com as políticas de incentivo às migrações europeias não-portuguesas previamente descritas, as regiões cafeicultoras tendem a apresentar uma grande diversidade étnica em sua população, já que às matrizes ibéricas, indígenas e africanas, se juntaram outras matrizes, sobretudo germânicas e italianas e – no caso específico de São Paulo – japonesas, além de também ter ocorrido um expressivo fluxo de migrantes Nordestinos desde fins do século XIX (igualmente em direção às regiões cafeicultoras, que eram as áreas economicamente mais dinâmicas do território do país).

A extração de látex, matéria prima da borracha, teve impacto semelhante em fins do século XIX, fomentando um forte movimento migratório rumo à região Amazônia, composto sobretudo por pessoas oriundas do Nordeste, que juntamente com os indígenas nativos da região, formaram a base da população amazônica, região onde tanto a escravidão quanto as migrações europeias foram historicamente pouco significativas.

E, como não poderia deixar de ser, o desenvolvimento da atividade industrial a partir das primeiras décadas do século XX, que ocorre no Sudeste justamente por ser essa a região economicamente mais dinâmica e mais populosa do país nesse contexto, consolidou essa parte do território nacional como principal receptora dos fluxos migratórios internos, as quais, tal qual havia ocorrido no caso do Ciclo da Borracha, também era composta majoritariamente por pessoas provenientes da região Nordeste.

Apesar de ser possível traçar um quadro geral desse processo de formação da população nacional, apontando suas principais matrizes étnicas e os principais movimentos migratórios internos e externos ocorridos em cada contexto histórico (como feito previamente), a forma como esses fluxos de diferentes matrizes étnicas interagiram entre si e se misturaram (ou não) foi muito peculiar em cada parte do país. Por isso, no item a seguir trataremos especificamente do caso do Norte Capixaba e, particularmente, do município de Nova Venécia e seu entorno.

6.1.A FORMAÇÃO (MULTIÉTNICA) DA POPULAÇÃO DO NORTE CAPIXABA E DE NOVA VENÉCIA

Como já abordado no capítulo que trata da formação territorial de Nova Venécia, os primórdios da colonização na região remontam à abertura das primeiras fazendas no médio curso do Vale do Rio Cricaré por Antônio Rodrigues da Cunha (o Barão dos Aimorés) e seus familiares, a partir da década de 1870.

A alcunha de “Barão dos Aimorés” teria sido decorrente da relação que Antônio Rodrigues da Cunha teria conseguido desenvolver com alguns grupos indígenas que originalmente habitavam essas terras do norte capixaba, que eram genericamente chamados de “aimorés” ou “tapuias” pelos colonizadores.

O Barão e seus familiares utilizaram, a princípio, mão-de–obra escrava em suas propriedades, o que acarretou um fluxo de pessoas de origem africana e/ou afro brasileira escravizados rumo à região, mas ela não teria tardado a receber um fluxo de migrantes nordestinos tão logo as primeiras fazendas foram abertas.

Posteriormente, a partir de fins da década de 1880, a região também recebe um fluxo de migrantes italianos, que irão se juntar a esse caldeirão étnico já formado na região. Essa migração direta de italianos para Nova Venécia e arredores cessou em meados da década seguinte, de 1890.

E além de italianos, os últimos anos do século XIX também marcam o início de significativo movimento migratório oriundo de pessoas provenientes de Minas Gerais, movimento que se manteve forte até meados do século XX.

Por fim, mas não menos importante, a partir da abertura da construção da ponte sobre o Rio Doce em 1928, em Colatina, e a abertura de estradas de rodagem na região norte do território capixaba a partir dos anos de 1930, Nova Venécia e seu entorno recebem um grande contingente migratório das terras capixabas ao sul do Rio Doce, com expressiva quantidade de indivíduos de origens germânicas e, principalmente, italianas, o que irá acarretar um aumento o percentual de pessoas de origem europeia entre a população local.

M,

Organizado por: Gregory Pavliuki, 2023.

A seguir contextualizamos e explicaremos mais a fundo as diferentes matrizes étnicas e seus respectivos movimentos populacionais que resultaram na grande diversidade étnico-cultural que formou as bases da população do município de Nova Venécia.

6.1.1 As raízes indígenas

Como as diversas culturas indígenas baseavam-se na oralidade, as informações sobre os grupos indígenas em contextos históricos pretéritos nos foram legadas pelos próprios colonizadores, para os quais a presença dos indígenas geralmente era tida como uma adversidade aos seus projetos. Desta forma, nos contextos em que essa “ameaça” aos interesses coloniais era evidente, os relatos sobre tais grupos indígenas tendiam a ser mais abundantes (embora os colonizadores geralmente não compreendessem a cultura e forma de organização social desses grupos).

Mas tão logo essa “ameaça” se dissipava, tais relatos tendiam a tornar-se escassos e os indígenas – não obstante ainda se fizessem presentes – eram inviabilizados nos documentos e relatos produzidos pelos colonizadores, corroborando a carência de conhecimento sobre tais culturais em nossa literatura científica e historiográfica.

Tentar reconstruir a trajetória desses grupos e de sua interação com os colonizadores – mesmo que minimamente-, portanto, é uma tarefa sempre difícil, porém imprescindível para a desconstrução desse “apagamento” das raízes indígenas da população brasileira, capixaba, e veneciana.

Afinal, não foi apenas o direito ao seu território e à sua autonomia que foi negado a tais povos – eles, tais quais os diversos grupos africanos trazidos ao Brasil como escravos, tiveram sua memória coletiva usurpada e enquadrada conforme as narrativas produzidas pelos próprios colonizadores, que recorrentemente ocultavam – em sua própria versão sobre o passado do local/região – a violência inerente ao processo de expansão colonial, o qual demanda, impreterivelmente, a invasão e conquista de territórios indígenas, resultando frequnetemente em genocídio e escravidão dessas pessoas que ali viviam desde muito antes da chegada dos “homens brancos”.

Desta forma, tentaremos aqui compilar e correlacionar algumas informações histórico-geográficas que nos permitam ao menos tangenciar o objetivo elencado acima – não corroborar a invisibilização das raízes indígenas da população veneciana e do norte capixaba.

Quando a família Cunha inicia o processo de expansão da colonização rumo ao médio curso do Rio Cricaré, o interior da região Norte do território capixaba ainda era composto por territórios de diversos grupos indígenas, sobretudo grupos do tronco-linguístico Macro-Jê, os quais eram comumente chamados de “botocudos” ou “aimorés” pelos colonizadores.

A compreensão, de fato (para além de análises simplistas e estereotipadas), das dinâmicas espaciais desse processo de interação entre indígenas e colonizadores que ocorriam nessas zonas de fronteiras coloniais demanda o conhecimento alguns aspectos peculiares das territorialidades desses povos indígenas Macro-Jê, que não obstante a similaridade cultural, tendiam a apresentar uma organização política mais fragmentada e complexa do que nosso imaginário ocidental normalmente pressupõe.

O faccionalismo era uma característica comum a todos os grupos pertencentes ao tronco lingüístico Macro Jê, que não se organizavam de uma forma coesa, unitária, mas em grupos pequenos, independentes e mesmo rivais entre si, em constantes litígios territoriais, ainda que compartilhassem um mesmo sistema cosmo-sociológico.

Essa característica remonta à instituição do xamanismo, fortemente arraigada nessas sociedades indígenas. Esses povos criam no poder sobrenatural de alguns indivíduos, como os xamãs. Para a cultura de grande parte desses grupos indígenas, não havia uma possibilidade de “acaso” nos acontecimentos, que eram sempre relacionados ao exercício desses poderes sobrenaturais.

Assim, por exemplo, ocorrências de doenças e/ou mortes em um grupo eram atribuídas por seus membros, na maioria das vezes, aos xamãs de grupos rivais, o que seria motivo que justificaria um ataque em represália. Esses recorrentes conflitos geralmente resultam também na apropriação das mulheres dos grupos vencidos, o que por um lado acirrava os ânimos entre eles e, por outro, contribuía para a criação de laços de parentesco entre grupos rivais, o que explica o paradoxo da existência de uma unidade sócio-cosmológica em meio ao distanciamento espacial imposto pelos constantes litígios.

No que tange a sua relação material com o meio, sabe-se que os grupos Macro-Jê dependiam basicamente da caça, coleta, e de uma agricultura itinerante. Eles necessitavam, portanto, de uma área significativa para atender às suas demandas e garantir o manejo das áreas de cultivo com a regeneração do solo, e por isso apresentavam grande mobilidade dentro de seus domínios territoriais.

A redução de seus território, à medida que a colonização avançava, diminuía sua capacidade de se proverem por esses meios tradicionais, o que tinha repercussões significativas em suas relações sócio-espaciais, acirrando as disputas territoriais e, por vezes, forçando a definição de novas territorialidades, em face da diminuição das matas. Por isso, a configuração territorial que se verifica nos relatos dos colonizadores pioneiros na colonização do Vale do Cricaré e adjacências não é a mesma desde os primórdios da presença européia na América.

Devido aos conflitos territoriais cada vez mais frequentes e intensos, decorrentes do avanço das fronteiras coloniais sobre as terras indígenas, os grupos indígenas em desvantagem frequentemente misturavam-se aos colonizadores numa forma estratégica de garantir sua sobrevivência. Esta era uma forma de obter tanto reforços para o combate aos grupos indígenas inimigos quanto uma forma de obter alimentos, tendo em vista que a perda territorial tinha severas consequências nesse sentido

Era o que comumente ocorria nos quartéis militares criados nas fronteiras de colonização, que quase sempre estreitavam contato com alguns grupos indígenas. Em decorrência da fome que assolava os grupos em desvantagens das disputas territoriais, as guarnições militares tinham como política fazer dos quartéis um local de provisão de alimentos. Em decorrência disso, eram feitos os contatos com esses grupos, geralmente com promessas de auxílio do Estado na luta contra os grupos rivais, de forma a obter sua cooperação. Freqüentemente os próprios indígenas serviam como soldados nesses postos militares, que se aproveitavam não só de sua mão-de-obra, mas, sobretudo, do conhecimento do terreno que os indígenas possuíam. Estes, por sua vez, faziam uso dos equipamentos e armas dos colonizadores para atacar seus grupos inimigos que ainda viviam nas matas.

Relação semelhante ocorreu entre alguns grupos indígenas e fazendeiros das áreas às bordas de seus territórios, os quais tinham grande interesse em utilizar sua mão-de-obra, sobretudo na abertura de novas fazendas nas matas além das frentes de expansão. Um bom exemplo dessas relações parece ter sido o que ocorreu entre o Barão dos Aimorés e os grupos indígenas que habitavam as áreas onde foram abertas suas primeiras fazendas no médio Cricaré, nos arredores do atual município de Nova Venécia.

Embora seja sempre um grande desafio conseguir informações históricas que nos permitam identificar, no tempo e o espaço, os territórios dos subgrupos étnicos dentro de cada tronco linguístico (haja vista, além da carência de registros, o fato de que os processos de cisões políticas entre os grupos e eventuais etnogêneses ocorrem continuamente), as informações disponíveis em trabalhos antropológicos e históricos sobre o Norte Capixaba em fins do século XIX nos permitem supor que os grupos indígenas que mantiveram contato com o Barão e seus familiares eram provavelmente parte dos Pojichá, cujo território parecia abranger todo o trecho entre o Médio e Alto São Mateus, bem como partes do sul da Bacia do Rio Mucuri e do norte do médio trecho do Rio Doce1.

Todavia, não se pode descartar por completo a possibilidade de que eventualmente fossem parte dos Krenak (e estivessem se “aventurando” para além dos limites de seu território) ou de grupos que habitavam outras partes do leste de Minas, haja visto o caráter seminômade desses grupos Macro-Jê.

O fim dos relatos sobre o contato com esses grupos é sempre algo importante acerca do qual refletir, já que pode ser decorrente de fatores diversos. Ele pode ser fruto de uma alteração de seu território, seja por conta de conflitos com outros grupos indígenas ou por conta da própria intensificação do contato com os colonizadores (à medida que quantidade de colonos tendia a aumentar e as fronteiras coloniais tendiam a avançar sobre os territórios desses grupos).

O contato com os colonizadores eram perigoso não apenas pela violência direta que era inerente a esses contextos de contato inter-étnico, mas também pela ameaça representada pelas doenças trazidas pelos colonizadores (como gripe e sarampo, por exemplo), as quais frequentemente dizimavam as populações originárias, cujo organismo não possuía capacidade imunológica de lidar com tais infecções, que lhes eram completamente desconhecidas até então.

Não obstante, também é fato que nos casos em os indígenas passaram a viver entre os colonizadores e cujas crianças cresceram nesse meio permeado pela cultura ocidental e pela religião cristã, as gerações futuras de indígenas, que geralmente assimilaram muito dessa cultura dos colonizadores, tendiam a não serem mais vistas pelos seus coetâneos como indígenas ( o uso do termo “caboclo” – ao invés de indígena – para descrevê-los parece ser o marco dessa mudança de “status”).

Seja qual for o caso (e é bem possível que ambas situações tenham ocorrido), o fato é que os relatos sobre os indígenas desaparecem alguns poucos anos após o início da colonização no Médio Cricaré, o que não significa que, de fato, eles tenham desaparecido (vide a segunda hipótese).

Indígenas no Espírito Santo no século XIX. Fonte: EHRENREICH, 2014

6.1.2. As raízes africanas

Tal qual ocorre com os indígenas, os povos africanos que foram escravizados e trazidos ao Brasil pelos colonizadores não foram privados apenas de sua liberdade, mas de sua própria memória, do direito de saber quem são seus antepassados, de onde vieram.

Embora hoje tenha-se disponível conhecimentos histórico-geográficos que nos permitem mapear minimamente essas raízes africanas do Brasil (ver mapa a seguir), a perda da língua materna e a negação ao direito de manterem seus próprios nomes originários – os africanos geralmente eram “rebatizados” quando chegavam ao Brasil, recebendo na ocasião um nome cristão-português – tornam difícil às pessoas afrodescendentes identificarem com maior precisão suas origens africanas sem o recursos às novas tecnologias de análise de DNA2.

Imagem que retrata a rota do tráfico transatlântico ocidental na África para o Brasil no século XVI-XIX. Fonte: MUNANGA (2009)

Não obstante esse severo “apagamento da memória”, o fato é que o Brasil foi o país que recebeu maior contingente de africanos escravizados em todo o Continente Americano. A quantidade de africanos que foi trazida ao Brasil entre os séculos XVI e XIX supera em muito o quantitativo levado aos Estados Unidos, às colônias caribenhas – onde França, Inglaterra e Holanda também tinham domínios coloniais – e ao restante da América Espanhola, onde houve prevalência do trabalho compulsório (não-remunerado) indígena3.

Em linhas gerais, ao longo dos quase quatro séculos de escravidão em território brasileiro (1535-1888), a maioria das pessoas trazidas da África como escravos eram dos troncos linguísticos banto e sudanês, como o mapa acima ilustra.

As pessoas de origem banto foram deveras os africanos mais numerosos no Brasil, haja visto o fato dos domínios Portugueses mais duradouros na África se situarem em áreas que originalmente eram territórios desses grupos. Desta forma, tendo sido parte do Império Português desde os séculos XV e XVI (e assim prevalecendo até o século XX)4, os territórios atuais de países como Angola e Moçambique mantiveram relações comerciais e políticas mais fortes com o Brasil do que outras partes do continente americano, tornando-se os principais provedores de pessoas escravizadas aos traficantes de escravos luso-brasileiros que abasteciam as plantations e minas do Brasil até o fim do tráfico de escravos em 1850. Seu fluxo foi praticamente contínuo desde o século XVII até o fim do regime escravocrata, no século XIX, sendo levado com escravos às mais diversas partes do Brasil colonial e Imperial.

Já os povos do tronco linguístico sudanês foram trazidos ao Brasil predominantemente entre os séculos XVII e, principalmente, ao longo do século XVIII, e foram destinados, majoritariamente, ao norte e nordeste brasileiros. Por tal razão, seu legado cultural e religioso é bem mais expressivo nessa parte do país, como se pode constatar, por exemplo, por meio de religiões afro brasileiras originadas no Nordeste – como são os casos do Candomblé, na Bahia, e do Xangô, em Pernambuco, que têm prevalência de elementos culturais de origem Iorubá (grupo étnico também conhecido como “Nagô”); ou do Tambor de Minas, praticado no Maranhão e partes do Pará, no qual o legado étnico-cultural dos Jejês (ou Ewes) é evidente – ou de episódios históricos como a Revolta dos Malês, na Bahia, ocorrida nos anos de 1830, cujos participantes eram predominantemente de origem Haussa (ou Malês, como também eram conhecidos no território brasileiro esses africanos praticantes do islâmismo).

Como a colonização da maior parte do território do Norte Capixaba ocorre de fato a partir de fins do século XIX e início do século XX, a expansão das fronteiras agrícolas nessa região ocorre predominantemente em um contexto histórico pós-abolição. A exceção quanto a esse aspecto são as áreas litorâneas, principalmente entre os atuais territórios de São Mateus e Conceição da Barra, onde houve a presença de plantations escravocrata ao menos desde o século XVII.

O porto de São Mateus foi historicamente um local de comércio de escravos, inclusive com entradas clandestinas de africanos após a proibição do tráfico em 1850, os quais supriam principalmente a demanda de força de trabalho das plantations farinheiras e açucareiras da região.

Quando a família do Barão de Aimorés inicia a abertura das primeiras fazendas rumo ao médio curso do Rio Cricaré – processo deu origem à Nova Venécia – o tráfico externo de escravos já não tinha mais expressividade, tendo decorridos mais de vinte anos desde sua proibição.

Todavia, o comércio interno de pessoas escravizadas ainda existia – e de fato até havia se aquecido, ante a impossibilidade de se buscar mais pessoas escravizadas de fora do território brasileiro, o que teria fomentado até mesmo o desenvolvimento de fazendas “reprodutoras” de escravos em diversas partes do Brasil (e os relatos indicam ter havido ao menos uma nos arredores de São Mateus nesse mesmo período, embora isso ainda parece carecer de comprovação documental).

O fato é que o fim do tráfico não impediu a utilização de mão-de-obra escrava nessas fazenda pioneiras no médio Cricaré, que pertenciam sobretudo ao Barão dos Aimorés e seus familiares – a história de Constância de Angola é um claro reflexo disso. Todavia, esse uso de trabalhadores cativos parece ter progressivamente se reduzido ante a intensificação do fluxo de migrantes nordestinos para a região a partir de fins da década de 1870 e de italianos a partir de fins dos anos de 1880. Ao que os indícios sugerem, a escravidão já era bem pouco expressiva (ou mesmo inexistente) nas fazendas de Nova Venécia quando ocorre a Abolição da Escravidão em 1888.

CONSTÂNCIA DE ANGOLA
(…) Dentre os vários casos de violência contra essas pequenas criaturas, nascidas escravas ou após a Lei do Ventre Livre, destaca-se o ocorrido na fazenda de propriedade do Coronel Matheus Gomes da Cunha, irmão do Barão dos Aymorés, cuja esposa era “muito severa e má, não admitia choro de menino atrapalhando o serviço da criadagem”, lembrava dona Carlinda dos Santos. Consta que, certa feita, com os serviços atrasados, a sinhá de longe ouvia o choro renitente de menino novo, e a mãe balançava a criança no colo, na tentativa de fazê-la calar. Não conseguindo e sem saber, foi surpreendida pela sinhá, que veio por trás e arrancou a criança de seus braços, e, em seguida, jogou-a dentro da fornalha. Enquanto a mãe gritava, os outros escravos corriam para tentar salvar o menino, que ardia nas chamas do fogo, mas “o pobrezinho foi queimado” até virar cinzas. No final do dia, os escravos juntaram as cinzas da fornalha e foram enterrar próximo à fazenda do Cachoeiro.
Após a morte da criança, houve uma tentativa de rebelião na fazenda, e a esposa do Coronel, em represália, mandou um capataz levar a mãe para outro tronco, como se já não bastasse sua dor. Dias depois, a criadagem estava de volta ao serviço pesado na fazenda, mas a escrava havia sido levada aos ferros e surradas por dizer que ia matar a sinhá. A notícia logo se espalhou em virtude da possibilidade de represália a casa grande, e a esposa do coronel foi morar na cidade de São Mateus. (…) Constância foi liberta por um grupo de negros liderados por Cancão-de-Fogo. De posse da liberdade, vivendo nos matos, Constância passou ao comando de muitas lutas contra a Força do Governo e os capitães-do-mato. Numa dessas lutas, no município de Conceição da Barra, em local hoje conhecido como povoado de Sant´Ana, nas terras de dona Rita Cunha, mãe de Barão dos Aymorés, em meados de julho de 1881, houve um violento combate, em que morreu o seu líder, Negro Rugério, personagem lendário das incontáveis batalhas na floresta entre escravos fugidos e seus caçadores.
Neste confronto, Constância de Angola, mesmo diante do forte contingente de soldados, resistiu na retaguarda da fuga de Benedito Meia Légua, “já velho e doente”, impedindo que capturassem o revolucionário. (…) Formaram-se, a partir da morte do negro Rugério e da impossibiliddae de Benedito Méia-Légua continuar suas açãoes pela libertação dos negros, três grupos comandados por Constância de Angola, Viriato Cancão-de-Fogo e Clara Maria do rosário, esta ultima atuando na cidade, levando informações aos abolucionistas.
Certa vez Constância de Angola foi emboscada num lugar denominado Água Boa, no Sapê do Norte, quando ficou ferida gravemente por um tiro. Presa e identificada, foi levada até o porto, onde ainda foi surrada no largo do chafariz, mas sobreviveu e ficou presa na Cadeia Velha, na praça da Igreja de São Mateus. Meses depois, os negros liderados por Cancão de Fogo invadiram a cidade, na hora da procisão do padroeiro e arrancaram Constância de Angola da prisão.
Ao cair novamente no mato, Constância havia se transformado numa mulher destemida, pronta para se vingar de todos os castigos sofridos. E dá-se, a partir da sua fuga, o famoso encontro com o capitão-do-mato José de Oliveira, conhecido como Zé Diabo, que vinha à sua procura desde que fugiu da fazenda do Coronel. (…) O esperado encontro deu-se, finalmente, no local denominado Piaúna, nas margens do rio Cricaré. (…) No outro dia, com os primeiros raios do sol, viram-se dois corpos caídos, um para cada lado. Num deles, a marca da pólvora, no outro, a garganta vazava até o canto do pescoço, com a cabeça pendurada por uma pele. “Morreram ali dentro da mata, sem medo, no confronto, como queriam…” afrirmou Zoroastro. Os escravos fugidos, do outro lado do rio, aproximaram-se do local, prepararam uma rede, colocaram o corpo esvaído de Constância, morro acima, atravessando o rio Cricaré. (…) Precisavam sepultá-la no local onde haviam, também, enterrado as cinzas de seu filho, era um compromisso que eles tinham com Constância.
AGUIAR, Maciel de. Os últimos zumbis: a saga dos negros do Vale do Cricaré durante a escravidão. Porto Seguro: Brasil Cultura, 2001.

Presumidamente, essas pessoas que foram trazidas como escravos à Nova Venécia e seus arredores nos primórdios da colonização da região, eram provenientes de outras fazendas de Antônio Rodrigues da Cunha e seus familiares, localizadas entre São Mateus e Conceição da Barra.

Quanto às suas matrizes étnicas, entretanto, é difícil traçar um cenário mais claro pelas razões já previamente expostas e, sobretudo, em função do norte capixaba situar-se exatamente entre as partes do Brasil onde houve prevalência de pessoas escravizadas de origem banto (Sudeste) e Sudanesas (Nordeste).

Se tomarmos as práticas religiosas como um possível indício dessas raízes étnico-culturais, ambos os grupos linguísticos parecem ter composto a população local desde os tempos coloniais. Os relatos do bispo Dom João Neri sobre as práticas religiosas afro brasileiras endêmicas da região de São Mateus no início do século XX (às quais ele se referia pelo termo “cabula”), por exemplo, indicam uma prevalência de elementos da cultura banto, e o mesmo parece ocorrer no rito – ainda praticado – que algumas comunidades quilombolas do Sapê do Norte5 chamam de “mesa de Santa Maria”. Todavia, em um outro rito também praticado até recentemente por essas mesmas comunidades quilombolas, denominado “Mesa de Santa Bárbara”, contém muitas menções à elementos culturais Iorubá, como a proeminência de Iansã – sincretizada à figura de Santa Bárbara – e às menções aos antepassados Nagôs, associados às pedras de tempestade, que compõem os dogmas e a liturgia dessa prática religiosa.

E, para além dessa presença de pessoas de origem africana e/ou afrobrasileira desde os primórdios da colonização do médio curso do Rio Cricaré, onde se situa Nova Venécia, há muitos indícios estatísticos e documentais de que a Abolição da Escravidão em 1888 teria acarretado um êxodo de ex-escravos de fazendas de áreas vizinhas ao Espírito Santo onde as plantations cafeicultoras eram abundantes – como são os casos do Norte do Rio de Janeiro e, principalmente, do Leste de Minas Gerais – rumo ao território capixaba, sobretudo em sua porção norte, onde a colonização ainda era inicipiente e as terras devolutas, com presença de matas virgens, eram abundantes.

Todavia, a inexistência de qualquer política de inclusão e/ou assistência social aos ex-escravos implicou sua perpetuação da condição de posseiros – ou seja, sem título jurídico sobre as áreas que ocupavam -, fosse individualmente ou em quilombos, o que corroborou a futura usurpação dessas áreas por sujeitos que tinham os recursos necessários para lidar com a legislação e os trâmites legais necessários ao requerimento formal dessas áreas, perpetuando assim a exclusão social desse numeroso segmento da população local/regional.

AFROZUMBA E CAMINHADA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
A caminhada do dia da Consciência Negra, que ocorre geralmente no dia 20 de Novembro desde 2009, tem por objetivo rememorar e empoderar a população negra, nordestina e periférica de Nova Venécia. (…) Nas palavras de um representante da caminhada, o evento nasce da necessidade de “empoderar” a população negra, periférica e nordestina que não tem espaço nas representações hegemônicas acerca da formação do gentílico veneciano e que são esquecidos pelo poder público local tanto simbolicamente quanto materialmente, quando consideramos que eles residem nas partes periféricas e negligenciadas da cidade, onde não dispõem dos mesmos bens e serviços que a população branca nos bairros mais abastados possuem. Os organizadores de Caminhada da Consciência Negra assim nos informaram por meio de entrevista:
Caminhada da Consciência Negra é um evento público e amplo de significados, não é um evento de comemoração, não temos o que comemorar, é um evento para mostrar para a sociedade veneciana o quanto resistimos, e a caminhada só é possível graças aos trabalhos realizados junto com a comunidade negra e periférica veneciana em especial nas comunidades carentes do Bairro Padre Giani, Aeroporto e Altoé, local de atuação do grupo Afrozumba que oferta gratuitamente oficinas de percussão, acompanhamento pedagógico, contação de histórias para as crianças negras com fogo em heróis e personagens negros, nós catalisamos tudo o que fizemos durante o ano nessas comunidades para em Novembro marcharmos nas ruas de Nova Venécia e concentrarmos na Praça para marcarmos território, mostrar que Nova Venécia também tem uma população negra.”
Apesar de inicialmente terem obtido pouca ou nenhuma colaboração do poder público municipal, após muita luta isso tem gradativamente mudando, sobretudo a partir da última mudança na gestão política local, haja vista que a atual gestão tem incentivado o trabalho social exercido pelo grupo Afrozumba.
VELOSO, Gearley Leopoldino. Memórias, identidades e territorialidades em Nova Venécia: reflexões sobre o eurocentrismo e racismo. 2021. 94 f. Monografia (Graduação) – Instituto Federal do Espírito Santo, Coordenadoria de Graduação em Licenciatura plena em Geografia, 2021.

6.1.3 As raízes nordestinas

O Nordeste brasileiro foi a principal região produtora de açúcar, gênero que foi o carro chefe da economia colonial brasileira ao longo dos séculos XVI e XVII. Salvador não se tornou a primeira capital brasileira por acaso: ela era o principal porto de exportação da produção açucareira do Brasil.

Nesse mesmo contexto, enquanto a chamada Zona da Mata Nordestina era ocupada pelas lavouras de cana-de-açúcar, o sertão tornou-se uma região dedicada à pecuária bovina, cujos produtos eram imprescindíveis ao funcionamento da economia canavieira, fornecendo força motriz para os engenhos e transporte para a produção, e também o couro, matéria prima fundamental para o maquinário da época, e, é claro, servindo também de fonte para a alimentação da população dessa área canavieira.

Brainly, 2018 Acesso em: 04 out. 2023.

A produção de fumo também foi uma atividade de grande importância econômica no Nordeste e destinava-se principalmente à troca deste produto por escravos na África, sobretudo na região da Costa da Mina (onde hoje situam-se países como Gana, Togo, Benin e Nigéria). O fumo era a principal moeda de troca dos traficantes de escravos do Nordeste.

O fim do século XVIII marca ainda a ascensão de uma outra atividade econômica que se tornaria de grande importância a economia Nordestina: a produção de algodão, situada sobretudo no Agreste, e que se destina a abastecer a crescente demanda dessa matéria-prima na Europa, que começava a entrar na era da Revolução Industrial.

Na segunda metade do Século XIX, entretanto, todas essas atividades estavam decadentes, e atravessavam momentos de crise (ou, em alguns casos, já haviam praticamente sido abandonadas).

A produção de açúcar nordestina, que outrora era quase completamente exportada, vinha enfrentando adversidades desde o século XVII, quando a produção desse gênero no Caribe, em colônias holandesas, primeiramente, mas posteriormente também em colônias inglesas e francesas, além de ampliar a oferta nos mercados internacionais, corroborando a queda dos preços, também oferecia aos mercados consumidores um produto melhor e com frete mais barato (o Caribe está muito mais próximo à Europa do que a América do Sul).

Por tais razões, a partir de fins do século XVII essa atividade não teve mais a grandeza e importância econômica dos primórdios da colonização no Brasil, mas ainda assim sobrevivia e encontrava alguns mercados externos. Mas apesar de ampliação da demanda por alimentos decorrente do crescimento demográfico na Europa desencadeado pela Revolução Industrial a partir de fins do século XVIII, o século XIX viu essa atividade entrar em momento de adversidades ainda maiores, haja visto os europeus terem iniciado a fabricação do açúcar de beterraba, gênero que podia ser produzido em larga escala na Europa.

As possibilidades de abastecimento do mercado europeu com o açúcar brasileiro tornaram-se assim cada vez mais remotas e o produto gradativamente passou a depender apenas do mercado interno do país, que era pequeno.

A pecuária bovina Nordestina também já havia entrado em decadência desde fins do século XVII e início do século XVIII, ante a crescente produção bovina da região sul. As características ecológicas dos pampas fizeram com que gado criado ali – ainda que de forma tão extensiva quanto no sertão do Nordeste – apresentasse uma qualidade muito superior.

Quando o eixo econômico da colônia muda para o centro-sul, em virtude da ascensão da mineração no século XVIII, a região sul será a principal responsável pelo abastecimento das cidades mineradoras com gado bovino, iniciando uma crise na pecuária nordestina que a levaria progressivamente à bancarrota, de tal forma que na segunda metade do século XIX ela já havia perdido a expressividade que teve nos primórdio da colonização portuguesa nessas terras.

Em meados do século XIX a produção de fumo também havia entrado em crise em função do efetivo fim do tráfico de escravos instituído pela Lei Euzébio de Queiroz, de 1850. Como a principal finalidade da produção de fumo nordestina era servir de moeda de troca para a obtenção de pessoas escravizadas na região da Costa da Mina (litoral centro-norte da África), o fim do Tráfico de Escravos fatalmente corroborou a crise dessa atividade agrícola.

Por fim, o algodão também não manteve seu ímpeto econômico inicial. A grande demanda inicial, que transformou o Brasil em um grande produtor de algodão, foi decorrente da ruptura de relações diplomáticas entre os EUA e a Inglaterra, em virtude do processo de independência do primeiro,que se consolidou por meio de uma guerra contra sua ex-metrópole.

O algodão usado nas indústrias têxteis do Reino Unido era proveniente principalmente do sul dos EUA e, por tal razão, a ruptura de relações diplomáticas e comerciais decorrentes dos litígios do processo de independência estadunidense levaram a indústria britânica a ter que buscar novas fontes de suprimento dessa matéria-prima. É nesse contexto que sua produção cresce significativamente no Brasil, sobretudo no Agreste Nordestino, região que apresenta condições climáticas mais favoráveis a esse cultivo.

Todavia, logo nas primeiras décadas do século XIX, EUA e Reino Unido reatam relações comerciais e logo o algodão estadunidense – cujo custo com deslocamento até o Reino Unido era bem menor, em função da proximidade geográfica e da maior escala de produção – conquistaria os mercados britânicos, deixando a produção brasileira em situação desfavorável.

Não obstante a Guerra Civil Estadunidense, nos anos de 1860, tenha novamente criado um cenário favorável às exportações de algodão brasileiras, esse efeito foi efêmero e se dissipou tão logo o conflito chegou ao fim, ainda nos anos de 1860. Nas últimas décadas do século XIX, portanto, o algodão nordestino também enfrentava uma situação desfavorável/adversa.

No início da segunda metade do século XIX, portanto, a situação econômica do Nordeste já era bastante negativa, sobretudo se comparada com o dinamismo econômico do Sudeste, onde o café vinha se expandindo rapidamente e se tornava o principal produto de exportação brasileiro.

É nessas circunstâncias já demasiado adversas que ocorrem as grandes secas das décadas de 1870 e 1880, ampliando ainda mais a crise econômica e social do Nordeste. Foi provavelmente o primeiro grande êxodo de nordestinos, que buscavam então dirigir-se para as regiões economicamente mais dinâmicas do Brasil, que nesse contexto eram o sudeste cafeicultor e a região Amazônica, onde a extração de látex vinha se desenvolvendo rapidamente.

Apesar de não ter uma produção de café tão expressiva quanto São Paulo, o Vale do Paraíba fluminense ou a Zona da Mata Mineira, o Espírito Santo também recebeu um grande contingente desses migrantes nordestinos que fugiam da seca e da crise econômica pré-existente (e que esses longos períodos de estiagem agravam ainda mais).

Alguns desses migrantes que vieram ao Espírito Santo acabaram por se estabelecer nas fazendas recém-abertas no médio Cricaré pela família Cunha, cuja demanda por mão-de-obra para os novos plantios de café significava uma possibilidade de trabalho para esses migrantes. E não se tratou de uma migração sazonal. Muitos aqui permaneceram desde então e muitos outros nordestinos continuaram a vir nas décadas seguintes, entre fins do século XIX e a primeira metade do século XX. E, desta forma, eles se tornaram uma importante matriz étnica da população do Norte Capixaba como um todo e também de Nova Venécia.

A grande maioria desses migrantes nordestinos e seus descendentes, entretanto, não se tornou proprietária de terras por razões semelhantes aos afro-brasileiros (ver item acima), vivendo predominantemente como meeiros/parceiros e/ou diaristas em fazendas da região e, posteriormente à intensificação da urbanização da região e ao crescimento da cidade de Nova Venécia, atuando em atividades urbanas.

6.1.4. As raízes italianas-européias

Quando o Império Brasileiro começou a fomentar as migrações européias para as áreas do território nacional onde a colonização ainda era bastante incipiente, visando corroborar a expansão das fronteiras agrícolas com migrantes “brancos”, Itália e Alemanha ainda não eram países politicamente unificados.

Ambos territórios ainda eram compostos por vários pequenos reinos independentes – a grande maioria de pequena extensão territorial – tal qual haviam sido desde fins da Idade Média, o que teve como implicações, dentre outras coisas, um relativo atraso em seu processo de desenvolvimento econômico-industrial quando comparados a países que já haviam obtido a unificação política há mais tempo, como França e Inglaterra.

A UNIFICAÇÃO ITALIANA
A primeira tentativa de construir uma unidade política península itálica sob a bandeira do nacionalismo malogrará em 1848, porque faltaram duas coisas essenciais: à disposição dos países da península para se reunirem em um único Estado e o apoio de qualquer potência europeia para superar o maior de todos os obstáculos para a construção de um Estado unificado, a posição hegemônica da Áustria na região. Sem uma guerra com os Habsburgo e sem apoio de outra potência europeia, qualquer iniciativa esbarrava na fragilidade do Exército do Reino da Sardenha-Piemonte diante do Exército austríaco.
O parceiro encontrado pelos liberais nacionalistas italianos foi Napoleão III que atendeu à solicitação do conde de Cavour, primeiro-ministro liberal do rei Victor Emmanuel II, da Casa de Saboia, exigindo como contrapartida, a título de compensação, a incorporação pela França de fatias de territórios do Reino da Sardenha. Ele não exigiu quaisquer territórios, mas partes simbolicamente importantes da Sardenha (Nice, terra de Garibaldi, e Saboia, território original da Casa de Saboia, família dinástica do reino).

A UNIFICAÇÃO ALEMÃ
Já a construção do Império Alemão sob a liderança prussiana foi fruto da disputa entre duas potências do cenário europeu: a Prússia e a Áustria. O movimento foi a culminância de diversas tentativas prussianas de acabar com a preponderância austríaca na Europa Central. A construção do Estado alemão liderada por Otto von Bismarck, primeiro-ministro de Guilherme I e adversário convicto do liberalismo, foi a vitória de um projeto de Império sob a égide da Prússia comandada pela dinastia dos Hohenzollern, que, por excluir a Áustria, foi chamado de “pequena Alemanha”.
Para atingir seus objetivos, Bismarck operou uma política de revisão tanto das fronteiras quanto da soberania de Estados localizados na Europa Central, que se iniciou com a Crise de Schleswig-Holstein em 1864. Em função de um intrincado problema de sucessão dinástica nos ducados de Holstein (parte do Reino da Dinamarca) e Schleswig (parte da Confederação Alemã), Bismarck envolveu a Áustria em uma guerra rápida contra a Dinamarca que, derrotada, acabou cedendo Holstein à Áustria e colocando Schleswig sobre administração prussiana.
MORAES, Luís Edmundo. História contemporânea: da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2021. 176 p.
 

Em meados do século XIX, nos anos de 1840 e 1850, a maior parte do território da atual Alemanha era ainda essencialmente rural e sem o mesmo dinamismo econômico que seus vizinhos da Europa Ocidental. Prússia e Áustria eram os estados germânicos mais desenvolvidos industrialmente e coube ao primeiro os esforços para a unificação territorial alemã, a qual foi obtida mediante conflitos com outros reinos germânicos (que não estavam dispostos a perder sua autonomia política) e sobretudo contra o Império Austro-Húngaro.

Embora o processo de unificação Alemã somente seja considerado formalmente concluído em 1871, quando a Alemanha anexa a região da Alsácia-Lorena (que até então estava sob domínio francês), em boa parte do território alemão os conflitos mais intensos decorrentes do processo de unificação ocorreram entre as décadas de 1840 e 1860. E esses conflitos políticos e guerras tiveram deveras impactos sociais e econômicos nefastos para a população local.

Foram tais circunstâncias geopolíticas e econômicas adversas aos alemães que favoreceram as migrações germânicas rumo ao Espírito Santo e também a outras partes do Brasil (sobretudo os Estados da Região Sul) em meados do século XIX. Migrar, para as pessoas imersas na guerra e na crise econômica dela decorrente, era uma maneira de escapar da penúria e do sofrimento delas decorrentes.

Mas apesar dessas circunstâncias a economia da Alemanha se recupera rapidamente e ganha grande dinamismo a partir da década 1860, processo que a levaria ao topo do ranking da produção industrial europeia antes mesmo do fim do século XIX, superando até mesmo a Inglaterra, que havia sido o primeiro país a industrializar.

Tal fato, dentre outros (como a proibição formal das migrações alemãs para o Brasil, por parte do governo alemão, sob alegação de que as condições de vida desses migrantes aqui no país era muito precárias), fizeram com que a janela de entrada de imigrantes germânicos no Espírito Santo fosse entre as décadas 1840 e 1860, quando foram alocadas sobretudo nos núcleos coloniais de Santa Leopoldina, na bacia do Rio Santa Maria da Vitória, situado relativamente próximo à capital; no núcleo de Santa Izabel, na bacia do Rio Jucu, um pouco mais ao sul da capital; e no núcleo de Rio Novo do Sul, nas proximidades de Cachoeiro de Itapemirim. O acesso a terra por parte dessas famílias germânicas foi facilitado, como parte do programa de fomento à entrada desses imigrantes. Essas famílias geralmente recebiam lotes entre 25 a 50 hectares, cujo pagamento era subsidiado e parcelado pelo poder público.

A partir de 1860, entretanto, a entrada de migrantes de origem germânica em terras capixabas praticamente cessou. O fluxo de migrantes europeus não-portugueses rumo ao Espírito Santo, a partir de então, passa a ser composto quase exclusivamente por italianos, e por razões geopolíticas muito semelhantes ao caso dos germânicos.

A Itália também passava pelo processo de unificação político-territorial e de desconstrução das relações feudais de servidão, o que resultou em grande entropia de sua estrutura social, com forte êxodo de camponeses para as cidades e – ao menos em um primeiro momento, antes que os reflexos socioeconômicos positivos da Revolução Industrial pudessem ser sentidos – em uma precarização nas condições de vida da parcela mais pobre de sua população (formada não apenas por camponeses, mas cada vez mais por operários e desempregados).

Nessas circunstâncias, migrar para os novos países do Continente Americano se mostrava uma alternativa – na busca por dignidade e prosperidade material – a essa massa de pessoas cuja situação socioeconômica era demasiado adversa nesse contexto de transformações políticas e econômicas pelas quais a Itália estava passando. E o Brasil foi um dos destinos desses imigrantes italianos, que se tornaram a principal corrente migratória europeia rumo ao país entre fins do século XIX e início do século XX.

O fomento a entrada desses imigrantes no Brasil visava, como já mencionado, atender a dois projetos distintos: suprir a demanda de força de trabalhos nas áreas onde havia grandes lavouras de café, principalmente em São Paulo, e fomentar a expansão das fronteiras agrícolas em áreas cuja colonização era ainda muito esparsa, como eram os casos dos estados da Região Sul e, em menor intensidade, também das porções central e norte do Espírito Santo.

A entrada em massa de imigrantes italianos no Espírito Santo ocorreu entre o início da década de 1870 até o ano de 1896 e foi canalizada majoritariamente para a região Central-Serrana do Estado. Os primeiros núcleos coloniais italianos foram Santa Tereza, mais ao norte da região serrana, e Alfredo Chaves, mais ao sul, na divisa com o Vale do Itapemirim, em condições semelhantes (no que tange ao acesso à propriedade da terra) ao que havia ocorrido previamente com os imigrantes de origem germânica.

Com a Proclamação da República, em 1889, as províncias passaram a ter muito mais autonomia política e financeira. Inicialmente, essa maior autonomia permitiu ao governo do Espírito Santo intensificar o fomento às migrações italianas, resultando no zênite desse processo em terras capixabas. Os anos entre 1890 e 1896 viram uma quantidade sem precedentes de imigrantes entrarem e se estabelecerem em terras capixabas.

Todavia, a entrada de novos migrantes praticamente cessou em função da escassez de recursos, por parte da província capixaba, decorrente de uma forte crise sobre as cotações de seu principal produto de exportação: o café. A crise na cafeicultura afetou sobremaneira a arrecadação e as finanças da província, que não conseguiu manter os investimentos necessários ao fomento dessa política migratória, levando ao seu fim a partir dos últimos anos de 1890, com uma última entrada expressiva de imigrantes tendo ocorrido em 1896.

Como a colonização do médio curso do Vale do Cricaré se iniciou na década de 1870, não houve migrações diretas de pessoas de origem alemã/germânica para a região no século XIX. Mas, mesmo não sendo o foco das políticas do Governo Capixaba de incentivo à migração italiana (cujos investimentos se concentraram na região serrana do Espírito Santo), Nova Venécia recebeu imigrantes italianos entre os últimos anos do Império, em fins da década de 1880, e os primeiros anos após a Proclamação da República (início da década de 1890), processo em que a figura a atuação do Barão dos Aimorés foi de grande importância (sendo ele um dos incentivadores/fomentadores dessa política). Não obstante, a quantidade de italianos que se encaminhou para o Vale do Cricaré nesse contexto foi pequena em números absolutos.

A existência de uma significativa parcela da população Veneciana e do Norte capixaba com ascendência germânica e, principalmente, italiana, deve-se principalmente às migrações internas do território capixaba que ocorrem após a década de 1930, quando o norte capixaba – onde a colonização era muito esparsa e a expansão das fronteiras agrícolas ainda era incipiente – é interligado às áreas mais densamente povoadas do centro-sul do Espírito Santo por conta da abertura de estradas e a construção da ponte sobre o Rio Doce em Colatina.

Nesse contexto, cerca de oitenta anos após o início das políticas de incentivo às migrações ítalo-germânicas rumo às terras capixabas, as terras devolutas escasseavam na porção centro-sul do Espírito Santo, o que elevou o preço das terras e tornou cada vez mais difícil às primeiras gerações de imigrantes europeus a obtenção de novas terras para o estabelecimento de seus filhos e netos.

A abertura de estradas e a interligação rodoviária entre esse centro-sul já densamente povoado (e cujos camponeses tinham uma ampla demanda de terra para suas novas gerações) e as áreas ainda não colonizadas ao norte, com ampla presença da mata nativa e terras devolutas, originou um intenso movimento migratório de descendentes de germânicos e, principalmente, de italianos rumo ao norte capixaba, que utilizam grande parte do pecúlio que haviam conseguido acumular até então para adquirir terras no norte do Estado, onde elas eram – nesse contexto – muito mais baratas que no centro-sul do Espírito Santo.

Entre os anos de 1930 e 1950, portanto, ocorreu uma significativa expansão do povoamento e das fronteiras agrícolas no norte capixaba, o que inclui o território do município de Nova Venécia e seus arredores, como reflexo desse intenso movimento migratório interno em sentido sul-norte. Grande parte dos descendentes de italianos da região, portanto, tem raízes também no sul do Estado6, de onde seus pais ou avós emigraram nesse período em busca de terras para poderem continuar a viver como camponeses.

6.2. SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA

Aguarda dados atualizados do último censo demográfico.

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1 Fortes evidências disso podem ser constatadas nas obras de Missagia de Mattos (2005), Palazoolo (1973) e, sobretudo, nas memórias do engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, cuja infância se passou exatamente no Vale do São Mateus em fins do século XIX, as quais incluem relatos de contato com grupos de Pojichá no Vale do Cricaré, à oeste da cidade de São Mateus.

2 Para saber mais sobre as novas tecnologias de análise de DNA acesse: <https://profissaobiotec.com.br/pcr-a-tecnologia-por-tras-dos-testes-de-dna/ >

3 As exceções, quanto a esse aspecto, seriam as áreas de clima tropical as quais a Coroa Espanhola dedica às lavouras de gêneros tropicais, como foram os casos das colônias da América Central e das áreas litorâneas de países como Colômbia, Venezuela, Equador e Peru, onde a presença de plantation acarretou um significativo aporte de escravos de origem africana.

4 Os domínios portugueses na África, nos primórdios da Modernidade, estendiam-se por praticamente toda a costa do continente, onde havia portos e fortificações militares lusitanas que funcionavam como entrepostos para o reabastecimento dos navios portugueses que se dirigiram ao Oriente (sobretudo Índia e China, de onde eram provenientes os temperos a manufaturas que tanto enriqueceram Portugal ao longo do século XVI. Todavia, as circunstâncias geopolíticas do século XVII levaram a conflitos entre Portugal e os Países Baixos (Holanda) – que tornava-se então, nos anos de 1600, a maior potência naval européia – que resultaram na perda de boa parte dos domínios lusitanos no Oriente e no norte da África. As áreas na costa sul do continente africano, onde situavam-se os reinos e territórios de povos banto, permaneceram colônias portuguesas até os os anos de 1970. E, mesmo após a Independência do Brasil, em 1822, essas áreas continuam sendo a principal fonte de escravos do país.

5 Etimologicamente, a denominação da região do Sapê do Norte deriva “de uma gramínea extremamente resistente e típica da região, o sapê, que sobreviveu não só ao roçado das comunidades e ao gado, mas também aos tratores e à monocultura do eucalipto que se instalam na região” (OLIVEIRA apud SCHIFFLER, 2014, P. 18). Historicamente, entretanto, ela foi adotada pelas comunidades quilombolas que habitavam e ainda habitam um vasto trecho das áreas dos municípios de São Mateus e Conceição da Barra como a toponímia que designa esse vasto complexo territorial quilombola no extremo norte capixaba.

6 Como se trata de um processo migratório relativamente recente – historicamente falando -, esses vínculos de parentesco com pessoas do centro-sul capixaba é ainda muito perceptível dentre a população veneciana. Entre as pessoas de origem germânica, é comum a ocorrência desses vínculos com famílias de municípios como Santa Maria de Jetibá, Itarana e Afonso Cláudio, por exemplo. Dentre as pessoas com ascendência italiana, esses vínculos mais recorrentes são com – além dos municípios previamente mencionados – famílias de Castelo, Vargem Alta, Alfredo Chaves, Santa Tereza e áreas adjacentes.