FORMAÇÃO TERRITORIAL
A história da colonização sobre o Continente Americano é, de fato, a história de sua invasão e conquista pelos povos da Europa Ocidental, região do globo onde nasceu o sistema capitalista e a partir da qual ele se expandiu, progressivamente integrando as economias de praticamente todo o planeta.
À medida que a lógica mercantil inerente ao capitalismo se expandia, os europeus passaram a buscar em outras partes do mundo mercadorias com alto valor de mercado na Europa, bem como novos locais onde os produtos europeus poderiam ser vendidos. E para tal propósito – integrar esses territórios de outros povos a esse circuito comercial cada vez mais mundializado, extraindo dali tudo que lhes fosse de interesse – eles usaram de todos os meios, como a guerra, a violência etc.
No caso brasileiro, especificamente, esse processo de invasão europeia e integração ao sistema capitalista foi protagonizado pelos portugueses, que viram no Brasil uma grande fonte de gêneros agropecuários tropicais (que por não poderem ser produzidos na Europa, onde o clima é temperado, tinham altos preços no mercado) e, posteriormente, de ouro e diamantes.
Foi a busca dos europeus por tais produtos que determinou os principais rumos da história brasileira e a evolução de seu processo de colonização. Inicialmente isso ocorreu sob uma relação colonial, em que Portugal controlava politicamente o território brasileiro. Posteriormente, após a independência, não obstante a maior autonomia política do território brasileiro e dos avanços em sua industrialização, sua participação no comércio mundial continuou essencialmente nesse mesmo sentido, mantendo basicamente o papel de fornecedor de gêneros tropicais e minerais brutos ao mercado internacional.
Para fins didáticos, costuma-se periodizar a história brasileira a partir do desenvolvimento de suas principais atividades econômicas (que, em sua maioria foram voltadas à exportação), entendendo como tais ciclos econômicos moldaram seu território e foram configurando e reconfigurando seu espaço geográfico.
Sob este prisma, a colonização do território brasileiro vai iniciar-se, efetivamente, a partir da década de 1530, com base na expansão da produção de cana-de-açúcar, atividade que até o início do século XVIII foi o carro chefe da economia brasileira. Nesse contexto, o Nordeste era o coração econômico da colônia, sendo a principal região produtora de açúcar, com destaque para as áreas polarizadas por Recife e Salvador, sendo esta última a cidade escolhida pelo Império Português para ser a capital da colônia.
Posteriormente, a partir do século XVIII, a extração de ouro e outros metais nobres (como diamantes) vai assumir o protagonismo econômico na colônia, com destaque para as cidades mineiras, como Ouro Preto (então chamada Vila Rica), Mariana, Sabará, São João Del Rey e Diamantina. A cidade do Rio de Janeiro tornou-se o principal porto de onde esses metais nobres eram exportados, sendo essa a razão pela qual a capital da colônia é transferida para essa cidade a partir de meados daquele século, com intuito de melhor fiscalizar essa atividade e coibir o contrabando de metais.
O eixo político econômico do Brasil, portanto, deslocou-se do Nordeste para o Sudeste.
Com a decadência do ciclo do ouro desde fins do século XVIII, a partir do século XIX o café vai tornar-se a principal atividade de exportação do Brasil, agora um país independente (1822). Em um primeiro momento, a região do Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, foi a principal produtora desse gênero. Mas, posteriormente, a partir das últimas décadas do século XIX, a região do Oeste Paulista é quem mais se destaca nessa atividade.
É nesse contexto, entre fins do século XIX e início do século XX, que São Paulo torna-se um importante centro comercial e gradativamente consolida-se como coração econômico do país. O eixo político-econômico do Brasil, portanto, manteve-se na região Sudeste, mas agora tendo São Paulo como centro de sua economia.
Ao longo das primeiras décadas do século XX, principalmente a partir dos anos de 1930, o Brasil iniciou seu processo de industrialização. E foi o eixo Rio-São Paulo, áreas economicamente mais dinâmicas do país naquele contexto (justamente por seu protagonismo na cafeicultura), que concentrou essa nova atividade (industrialização), consolidando as capitais de ambos os estados como as maiores cidades e as principais metrópoles do país.
A partir desse momento, a urbanização, embora mais acentuada nesse eixo, acelerar-se-á em todo o território nacional, resultando em intensa transferência de população rural para os crescentes centros urbanos do país, processo que atinge seu ponto mais intenso (em escala nacional) entre os anos de 1970 e 1980. E a atividade industrial verá sua participação absoluta e relativa na economia brasileira crescer rapidamente, ímpeto que manteve até fins da década de 1970.
Foi a industrialização e a urbanização do território brasileiro que de fato promoveram sua integração, progressivamente disseminando a infraestrutura e os meios de transporte e comunicação necessários a tal feito. Tal processo favoreceu a expansão das fronteiras agrícolas sobre a região Centro-Oeste, entre as décadas de 1950 a 1970, e sobre a região Norte, na Amazônia, a partir da década de 1970.
A partir dos anos de 1980 e 1990, entretanto, a participação da industrialização na economia nacional tem diminuído progressivamente, concomitantemente ao aumento da participação de novos produtos agropecuários na pauta de exportações brasileira, com destaque para a soja e o gado bovino. E serão exatamente as regiões Centro-Oeste e Amazônica, que ainda preservam boa parte de seus biomas e de suas populações originárias (indígenas) e comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, extrativistas etc.), por onde essas novas atividades de exportação irão se expandir mais expressivamente.
Veremos a seguir como esses diferentes ciclos econômicos impactam o território capixaba e configuraram e reconfiguraram seu espaço geográfico ao longo da história, para então podermos tratar especificamente desses reflexos sobre o Norte Capixaba e o município de Nova Venécia, em específico.
3.1. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO ESPÍRITO SANTO
Uma característica peculiar do atual território capixaba dentro da história do Brasil é o fato de não ter tido grande inserção direta nas atividades econômicas de grande interesse à metrópole Portuguesa nos primeiros três séculos da colonização lusitana no Continente Americano.
No alvorecer do século XIX (anos de 1800), a área efetivamente colonizada no Espírito Santo era diminuta, o que permitiu que seu território conservasse grande parte da mata nativa e do contingente populacional dos indígenas, seus habitantes originários. Estima-se que nesse contexto, no início dos anos de 1800, mais de 85 por cento de sua atual extensão territorial ainda fosse composta por matas preservadas, territórios de muitos grupos indígenas, de diferentes matrizes étnicas.
Nesse interstício de quase três centenas de anos, entre 1535 (quando de fato se inicia a colonização do Brasil por Portugal) e o fim do período colonial (que termina, na prática, com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, e, formalmente, com a Independência do Brasil, em 1822), a produção de cana-de-açúcar em terras capixabas era incipiente quando comparada à Bahia ou Pernambuco, que foram os principais produtores deste item durante os primeiros séculos da presença portuguesa no Brasil.
Ao contrário do que tendemos a imaginar com base nas obras históricas que tratam do Brasil como um todo, a maior parte das poucas povoações fundadas pelos colonizadores nos primeiros séculos de sua presença no território capixaba originou-se antes das atividades dos missionários jesuítas que propriamente da produção de cana-de-açúcar. A maioria das cidades, vilas e aldeias existentes ao fim do período colonial se originaram a partir das fazendas e/ou missões jesuíticas, quase todas situadas ao sul do Rio Doce, tais como Araçatiba, Reritiba, Guarapari, Reis Magos, Santa Cruz, Carapina, Viana, entre outras.
Ao norte do Rio Doce, por sua vez, mesmo em localidades onde a colonização é bastante antiga, como São Mateus, Conceição da Barra e Itaúnas, não há relatos sobre significativa atividade dos missionários jesuítas, o que talvez explique, nesse contexto, a incipiência ainda mais acentuada da colonização nessa porção do Espírito Santo.
É provável, portanto, que no início do século XIX a maior parte da população da área ocupada pelos colonizadores no Espírito Santo fosse composta por indígenas que se integraram a eles por meio das missões jesuítas. A expulsão dos jesuítas do Brasil no século XVIII, portanto, retardou ainda mais o avanço da colonização sobre o atual território capixaba.
Essa expulsão dos missionários do território brasileiro por parte da Coroa Portuguesa durante a administração do Marquês de Pombal, em meados do século XVIII, coincide com a ascensão da mineração na colônia, com a exploração de ouro e de outros metais nobres em jazidas localizadas principalmente em áreas hoje pertencentes ao estado de Minas Gerais, o que acarreta uma série de transformações na organização territorial da colônia.
O eixo político-econômico é transferido para o centro-sul, em detrimento do Nordeste açucareiro. A economia colonial deste período passa a ser polarizada pelo eixo Minas Gerais -Rio de Janeiro, respectivamente as regiões produtora e exportadora do ouro, sendo esta última também o centro político.
Essa transformação na geopolítica da colônia teria acarretado uma significativa mudança na forma como a capitania do Espírito Santo era vista pela Coroa Portuguesa. De capitania estagnada, que pouco atendia a seus interesses por não ter grande inserção na atividade açucareira, Portugal passou a ver o Espírito Santo como uma “trincheira natural das Minas Gerais”. Expliquemos melhor.
Aos olhos do Império Português, o fato da colonização do Espírito Santo estar limitada a áreas em seu litoral, com praticamente toda a sua porção interiorana ainda coberta de matas, sem estradas, com grande presença de povos indígenas vivendo em seus respectivos territórios, serviria para evitar o contrabando dos metais preciosos e forçar o comércio desses bens a ser feito pelos portos do Rio de Janeiro, onde a Coroa Lusitana concentrou seus esforços de fiscalização para cobrança de tributos.
Por tal razão, nesse contexto histórico, a Coroa Portuguesa proíbe a abertura de estradas e a criação de vilas/aldeias no interior da capitania do Espírito Santo, de forma a evitar qualquer contato entre as terras capixabas e a região das minas.
Mas, pelas circunstâncias, é provável que mesmo sem esse decreto a atuação dos colonizadores continuasse a se restringir ao litoral, já que os pivôs da colonização no Espírito Santo até então, os jesuítas, haviam se retirado do Brasil e do território capixaba, e o desenvolvimento da produção açucareira estava muito aquém do que esperava a Metrópole portuguesa.
Por essas razões, em princípios do século XIX, a população estimada da “capitania” (entenda-se essa denominação como a área do território efetivamente dominada pelos colonizadores, restrita a uma pequena faixa costeira) – era de apenas cerca de vinte e quatro mil habitantes, distribuídos pelas poucas vilas do litoral – praticamente as mesmas desde os primórdios da colonização nos séculos XVI e XVII, originadas em sua maioria de missões jesuíticas.
Nas primeiras décadas dos anos de 1800, portanto, era diminuída a área de seu território efetivamente sob domínio dos colonizadores e era muito pequena a produção daquele que historicamente havia sido o principal gênero agrícola de exportação da colônia – o açúcar. Grande parte das terras dentro das áreas colonizadas era cultivada pelos próprios indígenas que viveram nas missões e por seus descendentes, que depois de catequizados acabaram por viver junto aos colonizadores.
Na maior parte do atual território capixaba, nas imensuráveis (à época) extensões de mata atlântica que se estendem de norte a sul, os indígenas “selvagens” (não catequizados) se mantinham resistentes ao longo do século XIX: os Puris, na porção interiorana ao sul do Rio Doce e os Botocudos ao norte desse curso d´água1.

Indígenas Botocudos do Rio Doce. Local: Barra do rio Pancas, entre Colatina e Barbados, em 1909. Disponível em:< https://ape.es.gov.br/indios-botocudos-do-rio-doce-walter-garbe#prettyPhoto[gallery2]/1/ >
3.1.1. Século XIX: a ascensão da cafeicultura e seus reflexos sobre o Espírito Santo
Por conta de todas essas peculiaridades históricas do território capixaba discorridas até aqui, o avanço efetivo da colonização pelo seu interior, em áreas mais distantes do litoral, somente vai ocorrer a partir de meados do século XIX, quando o café se consolida como o principal produto da economia brasileira.
Ao longo praticamente todas as décadas dos anos de 1800, as áreas plantadas com esse cultivo vão crescer continuamente, ano após ano, fenômeno que só perderá ímpeto já no século XX, com o advento da industrialização. O epicentro inicial desse processo foi, sem dúvidas, a região do Vale do Rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, por onde esse cultivo se expande rapidamente a partir das primeiras décadas do século XIX. Posteriormente, na segunda metade do referido século (XIX) , o Oeste Paulista assumiu essa posição de principal região produtora desse cultivo, que chegou a representar mais de 70% do valor das exportações brasileiras nesse contexto.
Apesar do Espírito Santo não ter se destacado no século XIX como um dos grandes produtores de café do país (status que ele virá a ter a partir da segunda metade do século XX) em função do volume de sua produção ficar muito abaixo daquele de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, a expansão da cafeicultura teve impacto significativo sobre o território capixaba, tornando-se a atividade econômica mais importante do Espírito Santo e fazendo avançar significativamente o processo de colonização de suas áreas interioranas (inserir mapa da minha dissertação sobre a evolução das fronteiras coloniais).
Todavia, os reflexos da ascensão dessa nova atividade se mostraram bastante diferenciados dentre as diversas regiões do Espírito Santo, acentuando sua diferenciação geográfica.
A expansão das plantations cafeicultoras na região sul (Vales do Itapemirim e Itabapoana)
A partir de meados do século XIX, o café expandiu-se por quase todo o Espírito Santo, mas na porção sul de seu território isso ocorreu com maior intensidade. A produção de café dessa região está de certa forma relacionada à própria expansão da produção do Vale do Paraíba do Sul, epicentro da cafeicultura no Brasil.
Os fazendeiros que se dirigiram a essa porção do Espírito Santo, próxima ao norte do Rio de Janeiro e à Zona da Mata mineira, eram oriundos, em sua maioria, dessas próprias localidades das províncias vizinhas, e foram atraídos pela imensa extensão de matas virgens do Espírito Santo, que a seus olhos eram uma possibilidade de obter terras férteis a custos muito mais baixos que os verificados em suas regiões de origens.
Ao se dirigirem para o sul do Espírito Santo, esses fazendeiros traziam consigo, de suas áreas de origem, um número considerável de escravos, o que explica o significativo incremento no contingente populacional dessa região ao longo de todo o século XIX, bem como o peculiar aumento no número de cativos, mesmo após a proibição do tráfico negreiro em 1850. A produção de café, nessa região, seguiu os moldes clássicos da plantation colonial, baseando-se em latifúndios monocultores com utilização de trabalhadores escravizados.
O sul, portanto, foi a região do Espírito Santo cuja economia mais se dinamizou em função da cafeicultura e foi, por tal razão, por onde a colonização mais avançou em meados do século XIX, sobretudo entre as décadas de 1830 e 1870. Houve ali um intenso crescimento populacional, tanto da população livre quanto do número de pessoas escravizadas, o que acabou por transformar a região e sua principal cidade – Cachoeiro de Itapemirim – no coração econômico do território capixaba.
Vitória era a capital da província, mas Cachoeiro de Itapemrim e a região sul eram as terras dos “barões do café” capixabas, status que mantiveram até a Abolição da Escravidão, quando a maioria das fazendas dessa região, cuja força de trabalho se baseava na mão-de-obra escrava, entra em crise.
Região norte: farinha em São Mateus (e arredores) e café subindo o Vale
Apesar da carência de registros históricos sobre suas origens e sobre seu território ao longo do período colonial, sabe-se que no contexto do início do século XIX a região de São Mateus, ao norte da província, possuía uma dinâmica comercial significativa e interagia bem mais com outras cidades e regiões do Brasil que as áreas ao sul do Espírito Santo. Uma das evidências desse dinamismo é o fato dela contar com uma infraestrutura portuária bem desenvolvida para os padrões da época.
No início do século XIX, portanto, a região de São Mateus distinguia-se do sul do Espírito Santo por ser um exportador de farinha de mandioca cuja produção abastecia importantes centros político-econômicos brasileiros. Era intenso o fluxo de embarcações e a comercialização dos produtos locais para o mercado externo (sobretudo a farinha de mandioca) e de gêneros importados, consumidos, sobretudo, pelas classes dominantes do mercado local. Além, é claro, de ter sido um ponto de significativo do tráfico de escravos, imprescindível à economia baseada no trabalho compulsório como o era o caso da produção de farinha na região.
Talvez por conta dessa singularidade (a importância da produção de farinha de mandioca) para a economia local, a expansão dos latifúndios cafeicultores não foi tão intensa na região de São Mateus comparativamente ao que ocorria no sul capixaba.
Não obstante, foi graças à atividade cafeeira que houve um pequeno avanço das fronteiras agrícolas a partir do litoral em direção ao Alto São Mateus, subindo o vale desse rio. É a esse processo de expansão da colonização rumo a montante do Vale do Rio São Mateus a partir da década de 1870, protagonizado por Antônio Rodrigues da Cunha (mais conhecido como “Barão de Aimorés”) e seus familiares, que remontam as origens de Nova Venécia, como trataremos mais detalhadamente a seguir.
As propriedades mais próximas à jusante do rio São Mateus e ao longo do litoral, a despeito do crescimento da cafeicultura, continuavam a dedicar-se às tradicionais culturas da cana-de-açúcar e farinha de mandioca, enquanto as propriedades mais recentes, à montante dessa bacia hidrográfica, optaram pelo café como principal atividade. Ambas basearam-se, num primeiro momento, em latifúndios escravistas, similar ao que acontecia no sul, e também vão entrar em crise no contexto da Abolição da Escravidão.
Região Centro-Serrana: pequenas propriedades rurais e imigrantes na expansão cafeeira
Apesar do avanço da colonização decorrente da expansão da cafeicultura, esse processo somente foi expressivo no extremo sul do Espírito Santo, nos vales dos rios Itapemirim e Itabapoana, próximo aos limites com o Rio de Janeiro. No restante do território capixaba, entretanto, a colonização continuava basicamente restrita às cidades e vilas litorâneas e seus arredores imediatos.
Nesse contexto, para fomentar a colonização dessas terras ainda não colonizadas, tendo em vista que a expansão dos latifúndios cafeicultores praticamente limitava-se ao sul da província, a administração do Império e, posteriormente, da própria Província do Espírito Santo, vão iniciar os projetos de colonização estrangeira ainda em meio à escravidão, em fins da década de 1840, concentrando-os inicialmente na porção central-serrana do território capixaba, de forma a não gerar conflitos com a oligarquia cafeicultora do sul.
Os projetos pioneiros foram os núcleos coloniais de Rio Novo do Sul, Santa Izabel (hoje um distrito do município de Domingos Martins) e Santa Leopoldina, para onde foram encaminhados imigrantes majoritariamente de origem germânica (alemã). Posteriormente, nos núcleos fundados a partir da década de 1870, os imigrantes passaram a ser predominantemente italianos, como foi o caso de Santa Tereza, primeira colônia italiana em terras capixabas.
A opção pelos imigrantes estrangeiros em detrimento da população nacional se justificava pela ideologia racista que permeia o imaginário e as práticas das classes dominantes nesse período, a partir da qual as pessoas de ascendência indígena e, principalmente, negra, eram inferiorizadas.
Nessa porção do Espírito Santo, portanto, diferentemente do restante de seu território, a expansão da cafeicultura ocorreu por meio da disseminação de pequenas propriedades rurais (geralmente doadas aos imigrantes ou vendidas a eles a preços módicos), com trabalho familiar, livre, típico da agricultura camponesa.
Posteriormente, em função das peculiaridades da política e economia capixabas, esse modelo de produção tendeu a tornar-se dominante, com as pequenas propriedades se disseminando por quase todo o território do Espírito Santo, como será abordado a seguir.
3.1.2. Fins do século XIX e início do Século XX: Abolição da Escravidão e seus reflexos sobre o Espírito Santo – crise das plantations cafeicultoras e consolidação da produção em pequenas propriedades rurais
Em termos gerais, o processo de apropriação de terras com base na colonização estrangeira e disseminação de pequenas propriedades evoluiu muito lentamente desde a criação das primeiras colônias, e é somente nas últimas décadas do século XIX, com o aumento significativo da entrada de imigrantes, sobretudo italianos, que ele vai se intensificar e avançar a partir dos núcleos pioneiros rumo a praticamente toda a porção central e em algumas áreas do sul da província.
Essa disseminação de pequenas propriedades rurais ocorreu tanto através da abertura de posses em áreas de fronteiras coloniais – entre as quais se incluíam muito comumente territórios indígenas e áreas de quilombos – quanto pela aquisição de lotes a partir da fragmentação de muitas fazendas, que foram desmembrando-se com a crise do regime escravocrata que veio a culminar com a Abolição em 1888.
Além disso, o Espírito Santo também passa a receber, a partir de fins do século XIX, um grande contingente de migrantes nacionais, a maioria oriundos da província vizinha de Minas Gerais. Essa corrente também terá um papel fundamental na expansão das fronteiras coloniais no sentido oeste-leste.
O avanço da colonização ao longo do século XIX, entretanto, praticamente se restringiu às terras ao sul do Rio Doce, e no alvorecer do século XX, praticamente toda a porção do Espírito Santo ao norte do Rio Doce ainda era área de densas matas, em sua maior parte território dos grupos indígenas Krenak e Pojichá, mantendo-se a região de São Mateus praticamente isolada do restante da área já colonizada do Espírito Santo. Essa região mantinha suas áreas litorâneas muito mais inseridas na tradicional produção de mandioca, restringindo-se o crescimento da cafeicultura às áreas mais a montante do Vale do Cricaré, nos limites entre os atuais municípios de São Mateus e Nova Venécia.
Nas terras ao sul do Rio Doce, muitas fazendas escravocratas que entraram em crise por conta da abolição da escravidão foram loteadas e vendidas na forma de pequenas propriedades a esses migrantes, não sendo raro que os fazendeiros aceitassem que o pagamento pelas terras fosse feito parceladamente com o próprio café cultivado por essas famílias.
Para parte da oligarquia rural, essa foi a forma encontrada de continuar no mercado de café, mas agora no papel de comerciante e não mais de fazendeiro. Alguns outros, entretanto, mantiveram-se na condição de proprietários de terra, fazendo uso de relações de parceria ou meação para tocar a produção, quando era possível encontrar pessoas dispostas a tal, o que mais frequentemente ocorria nas áreas cujas fronteiras coloniais já haviam avançado significativamente e as terras livres eram cada vez mais escassas, como era o caso dos Vale do Itabapoana e do Itapemirim, no extremo sul.
Mas, em geral, o contexto da Abolição da Escravatura fez com que as plantations cafeicultores capixabas, em sua maioria, entrassem em crise e acabaram por dar lugar a uma produção baseada em pequenas propriedades rurais com uso do trabalho familiar dos migrantes nacionais e estrangeiros que entraram no Espírito Santo entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, disseminando o modelo produtivo que se originou na região serrana por praticamente todo o restante das áreas cafeicultoras do sul Estado.
Em alguns casos isso ocorreu a partir da falência e abandono de latifúndios, que foram posteriormente ocupados por posseiros. Em outros, foi decorrente de novos arranjos em que os antigos fazendeiros venderam parte ou toda a sua terra e, aproveitando-se do capital de que dispunham, tornaram-se comerciantes de café, atuando como compradores/beneficiários/atravessadores da produção dessas pequenas propriedades.
No caso das áreas até então ainda não colonizadas, predominantes em direção ao norte, rumo ao Rio Doce, essa disseminação de pequenas propriedades ocorreu por meio de projetos de colonização (agora em sua maioria privados, feitos por empreendedores individuais e não mais pelo governo do Espírito Santo) ou pela ocupação espontânea dessas novas áreas (que, por ventura, eram regularizadas a posteriori).
Apesar de inicialmente a produção cafeeira do sul capixaba ter sido quase inteiramente exportada pelos portos do Rio de Janeiro (com intermédio da cidade Cachoeiro de Itapemirim, que era então um porto fluvial), a implantação de ferrovias em território capixaba a partir de fins do século XIX gradativamente consolidou o papel da capital Vitória enquanto centro de comercialização e de exportação de café, para cujos portos as estradas de ferro convergiam (a Estrada de Ferro Leopoldina, vindo do Sul do Estado; e a Estrada de Vitória-Minas, vindo do norte, interligando também parte de Minas Gerais aos portos da capital).
Tal fenômeno progressivamente fomentou o dinamismo econômico de Vitória e seu processo de urbanização, transformando-a, nas primeiras décadas do século XX, no principal centro urbano capixaba, concentrando os papéis de centro político e econômico do território do Espírito Santo.
Além da capital, os centros urbanos capixabas mais expressivos dessa época eram: Cachoeiro de Itapemirim, que foi o centro da produção cafeeira capixaba por muitas décadas; São Mateus, que mantinha vínculos comerciais diversos por conta da produção de farinha de mandioca; e Colatina, que em função da implantação da Ferrovia Vitória-Minas, se tornou um importante entreposto comercial no norte capixaba, cuja importância e dinamismo cresceram progressivamente à medida que a colonização se expandia sobre o restante do norte capixaba, já no século XX, como veremos a seguir.
3.1.3. A colonização ao norte do Rio Doce (a partir de meados do século XX)
O contexto entre os anos de 1930 e 1970 é marcado por uma intensa urbanização do território brasileiro, processo que teve como eixo central o Estado e a cidade de São Paulo, que depois de ser o lócus da produção de café tornou-se também o lócus do processo de industrialização nacional; e a então capital nacional, o Rio de Janeiro, que apesar de não estar no mesmo patamar econômico e industrial que o território paulista, destacava-se também quanto a esses aspectos, além de ter sido também um importante produtor de café no século XIX.
Esse processo de urbanização nacional acarretou o crescimento de novas atividades econômicas em território capixaba, as quais foram de grande influência sobre o processo de colonização de praticamente toda a porção interiorana de seu território ao norte do Rio Doce, área que então havia ficado alheia aos avanços das fronteiras agrícolas e coloniais.
A urbanização está ligada à construção civil, e essa atividade demanda uma matéria prima que era cada vez mais escassa no território dos Estados economicamente mais dinâmicos, como Rio de Janeiro e São Paulo, mas ainda era abundante no norte capixaba nesse contexto: madeira. As extensas matas ainda preservadas do norte capixaba eram repletas de espécies que são consideradas madeiras de lei e que por isso tinham (e ainda tem) altos preços no mercado.
Embora a demanda por madeira já viesse crescendo significativamente desde fins do século XIX, em virtude das limitações logísticas, sua extração – ao menos no território capixaba – estava restrita a áreas próximas às ferrovias ou próximas a cursos d’água de maior vazão e que atravessavam áreas com topografia um pouco menos acidentada (menos encachoeirada), por onde a madeira poderia ser escoada até o litoral.
A ascensão do modal rodoviário, entretanto, cada vez mais viabilizou a expansão da extração de madeira, levando-a a locais nos quais, em outros tempos, seria impossível escoar grande quantidade dessa matéria prima.
Por tal razão, ao longo do século XX, sobretudo a partir das décadas de 1930 e 1940, cada vez mais a presença das madeireiras foi um fator fundamental no processo de expansão da colonização no norte do Estado. Todavia, trata-se de uma dinâmica autofágica, uma vez que essa expansão rapidamente levou à destruição da vegetação nativa que cobria a região e isso levou essa atividade a entrar em crise, que se acentua sobremaneira a partir da década de 1970.
Paralelamente, o processo de urbanização, além de ampliar a demanda de produção de alimentos propriamente dita, também acarretou mudanças nos hábitos e na cultura alimentar. A disseminação das tecnologias de refrigeração (geladeiras e congeladores) pelas áreas urbanizadas progressivamente acarretou a ampliação da demanda por produtos derivados da pecuária bovina (carne e laticínios), que por serem altamente perecíveis, tiveram suas possibilidades de comercialização ampliadas pela disseminação dessas novas tecnologias e também pelos avanços nos meios de transporte, com as estradas de rodagem cada integrando locais e regiões mais distantes das estradas de ferro e dos portos do litoral, conectando-as a cadeias comerciais mais amplas.
Em tais circunstâncias, grande parte das áreas desmatadas pela extração de madeira deu lugar, posteriormente à destruição das matas, a pastagens para criação de bovinos, em geral em fazendas de grandes dimensões. Por tais razões, a colonização das áreas mais interioranas do norte do Espírito Santo foi marcada não apenas pela disseminação das pequenas propriedades cafeicultoras, mas também pela expansão da extração de madeira e da pecuária bovina, atividades que, diferentemente da cafeicultura, favoreceram a disseminação de grandes propriedades rurais.
3.1.4. O contexto pós-1970: expansão industrial capixaba e a reconfiguração de seu território
É somente ao longo da década de 1960 e 1970 que o território capixaba estará de fato integralmente colonizado, com suas fronteiras agrícolas tendo se expandido por todas as regiões.
Sob o prisma geográfico, esse contexto é marcado por uma crescente especialização produtiva de suas áreas agropecuárias2, cada vez mais integradas à economia nacional e global por meio dos avanços nas tecnologias de transporte e comunicação, e por uma significativa expansão da atividade industrial no Espírito Santo, concentrada principalmente na capital Vitória e em sua Região Metropolitana (como foram os casos, por exemplo, da Companhia Siderúrgica de Tubarão – CST, da CVRD, da Chocolates Garoto, etc.), assim como em seu entorno imediato (como foi o caso da Aracruz Celulose, cuja fábrica situava-se no município de mesmo nome, a cerca 80 km da capital), o que levou essa porção do Espírito Santo a tornar-se uma metrópole onde se concentra cerca de metade da população estadual.

Vista panorâmica de Nova Venécia nos anos de 1950.
3.2. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE NOVA VENÉCIA
Os primórdios da formação territorial de Nova Venécia, como já mencionado, remonta ao avanço da colonização ao longo do Vale do Rio São Mateus, a partir de sua jusante, onde se situam os atuais municípios de São Mateus e Conceição da Barra, de onde eram oriundos os primeiros colonizadores que chegaram àquelas terras que se tornaram o município de Nova Venécia. Esse processo se iniciou na década de 1870, e nele se destacou a figura de Antônio Rodrigues da Cunha – conhecido como “Barão de Aimorés” – e seus familiares.
Compreender as origens de Nova Venécia demanda, portanto, conhecer minimamente este processo de expansão colonial, o qual é reflexo, de certa maneira, do impacto que a expansão da cafeicultura no Brasil ao longo do século XIX teve sobre o Espírito Santo e, particularmente, sobre a região norte de seu território.

Vista da Foz ou Barra do Córrego da Serra no início da década de 1920, local onde foi feita a primeira clareira na mata a partir do qual surgiu a cidade de Nova Venécia (atualmente local em frente à Câmara de Vereadores) com destaque para os “barracões” erguidos na beira da Cachoeira Grande do Rio Cricaré pelos irmãos Wantuyl e Eleosippo Rodrigues da Cunha para pilar café por tração hidráulica, além de armazém de “secos e molhados”. Fotocópia Colorida obtida de original do Acervo de Zéa Cunha (In Memoriam). (Izabel Maria da Penha Piva e Rogério Frigerio Piva)
3.2.1. Os primórdios da colonização no Vale do Rio São Mateus
Existem diferentes versões sobre como ocorreu a chegada dos primeiros colonizadores na área que atualmente compreende o litoral do Extremo Norte do Espírito Santo. Há autores segundo os quais os colonos que ali se estabeleceram chegaram a essas terras no final do século XVI depois de terem sido expulsos, pelos indígenas que defendiam seu território, de outra área (acredita-se que entre os atuais municípios de Vila Velha e Vitória) onde tentaram se estabelecer primeiramente.
Todavia, o relativo isolamento em relação ao restante da Capitania do Espírito Santo e maior contato com a Capitania de Porto Seguro também levantou a hipótese de que os primeiros colonizadores da região de São Mateus pudessem ser oriundos dessa capitania vizinha.
Mas há ainda uma versão segundo a qual os primeiros colonizadores teriam ali chegado por acaso, por conta do naufrágio da embarcação na qual viajavam pela costa brasileira, muito embora não haja qualquer especificação sobre o destino ou origem dessa viagem.
Formalmente, data de 1722 a autorização para colonização da região pela Coroa Portuguesa, após o estabelecimento de um sesmeiro de nome Domingos Antunes, ocasião na qual também teria sido designado um Juiz de Vintena – responsável pela tributação – para esse nascente povoado. Pouco tempo depois dessa formalização, entretanto, a região de São Mateus passou à jurisdição da Capitania de Porto Seguro, sob a qual permaneceu até a segunda década do século XIX.
Toda a capitania do Espírito Santo, de fato, foi administrada nesse período por um Capitão Mor ligado ao governo da Bahia, o que talvez possa estar relacionado a essas alterações nos limites jurisdicionais de seu território. As datas em que essas mudanças políticas ocorrem, entretanto, não são muito claras nos registros, mas provavelmente o extremo norte capixaba teria permanecido sob jurisdição da capitania de Porto Seguro entre 1754 a 1823, quando retornou aos domínios políticos da então Província do Espírito Santo.
Todavia, o retorno à jurisdição capixaba não parece ter se refletido em maior integração da região de São Mateus com o restante do Espírito Santo, do qual permaneceu relativamente isolado. O contato com as áreas colonizadas a oeste, em Minas Gerais, também era precário, em virtude do não avanço da colonização rumo à montante do Vale do São Mateus, continuando limitada ao litoral e suas proximidades, o que só começa a mudar a partir da década de 1870.
Desta forma, isolada do sul capixaba e do leste mineiro, a região de São Mateus estava mais próxima, em termos sociais e econômicos, ao extremo sul da Bahia. E as terras a montante do vale, portanto, constituíam ainda territórios de muitos grupos indígenas.
É notório, no alvorecer do século XIX, que a Vila de São Mateus e seus arredores apresentavam diferenças econômicas muito significativas em relação ao restante do território capixaba, já que sua vida econômica se dava antes em função da produção de farinha de mandioca que de outras atividades como a cana-de-açúcar ou mesmo o café, com destacado papel do Porto de São Mateus como entreposto comercial, inclusive de tráfico de escravos.

Porto de São Mateus em 1908.
As razões que explicariam esse fenômeno também são diversas. Há quem o atribua exatamente à mudança de jurisdição (supostamente a capitania de Porto Seguro teria fornecido mais apoio administrativo à região) e ao sítio natural onde se encontrava a Vila de São Mateus, por ser um trecho fluvial com boa navegabilidade e próximo à costa.
Todavia, segundo o historiador Luiz Felipe Alencastro, esse dinamismo seria resultante também de uma mudança na divisão territorial do trabalho interna ao território brasileiro vivenciado a partir do crescimento da cafeicultura, já que o Rio de Janeiro, anteriormente o maior produtor de farinha de mandioca da colônia, passou a se inserir cada vez mais na cafeicultura em detrimento do cultivo da mandioca e deixando assim de sanar a demanda desse produto no mercado nacional, o que possibilitou que produtores da região de São Mateus tivessem atuação cada vez maior no abastecimento desse mercado e mesmo na exportação de farinha para fora da colônia (que se destinava principalmente à Costa Africana).
De fato, as duas explicações parecem complementar-se, já que as regiões de São Mateus e Porto Seguro ocupavam a mesma posição da divisão territorial do trabalho entre as áreas colonizadas do atual território brasileiro, sendo ambas grandes produtoras de farinha de mandioca.
O fato é que apesar do expressivo crescimento da cafeicultura que ocorreu no Espírito Santo ao longo do século XIX, a expansão dessa atividade econômica foi muito mais intensa no sul do Estado. Não obstante, esse processo também teve reflexos sobre a Região de São Mateus, levando à abertura de fazendas e, posteriormente, à fundação de núcleos coloniais no médio curso do vale, onde atualmente se situa Nova Venécia.
O baixo São Mateus, entretanto, ficou praticamente alheio a esse processo, não sendo difícil, portanto, imaginar a situação adversa em que se plantation escravocratas produtores de farinha se encontravam nesse momento histórico de crise do regime escravocrata.
3.2.2. A expansão a partir de São Mateus: a família Cunha e o pioneirismo na colonização em Nova Venécia
Antônio Rodrigues da Cunha, o Barão de Aimorés, é apontado na historiografia como o precursor da colonização em Nova Venécia. Ele pertencia a uma das famílias mais ricas (quiçá a mais rica) da região de São Mateus. Seus pais teriam sido Rita Maria da Conceição Cunha e o major Antônio Rodrigues da Cunha, duas das mais influentes figuras da política local, e cujas terras se localizam nos arredores do Rio Santana (que então era parte do município de São Mateus, mas hoje pertence ao município de Conceição da Barra).
Além de muitos relatos de que essa família frequentava a corte, no Rio de Janeiro, o que já indica prestígio social e econômico, diversos outros dados estatísticos históricos indicam que o comendador Cunha possuía a mais próspera fazenda da Vila da Barra de São Mateus. É possível encontrar diversas referências e documentos em nome de pessoas da referida família em documentos locais da época (século XIX) e dados econômicos sobre suas fazendas3.
Grande parte das fazendas escravocratas da região, entretanto, se desintegraram em virtude das transformações socioeconômicas desencadeadas pela Abolição da Escravidão em fins década de 1880, incluindo afazenda da família Cunha situada em Conceição da Barra.

Fonte: IBGE-Serras dos Aimorés : Nova Venécia, ES – [19–]
Acesso: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/nova-venecia/historico
Todavia, enquanto as economias de São Mateus e de Conceição da Barra enfrentavam uma grave crise em fins do século XIX, o destaque na produção cafeicultura do Norte Capixaba coube às terras recém-colonizadas nos arredores de Nova Venécia, onde um arranjo produtivo semelhante àquele da região Centro-Serrana, baseado em pequenas propriedades rurais cada vez mais ganhava ímpeto.
E, a essa altura, o Barão dos Aimorés e alguns de seus parentes já haviam se consolidado como os principais empreendedores da produção cafeicultura à montante do Rio São Mateus, nos arredores de Nova Venécia, para onde, depois dele, vários de seus familiares também migraram a abriram fazendas a partir da década de 1870.
Segundo a historiografia local, a primeira fazenda da região, aberta pelo Barão, foi chamada “Fazenda Serra dos Aimorés” (em alusão às características geográficas da região e seus habitantes originários), e teria sido fundada na atual localidade de Serra de Baixo. E, a partir dessa ação pioneira do Major Antônio Rodrigues da Cunha, outras fazendas foram abertas na região ao longo da década de 1870, boa parte delas por parentes do “Barão de Aimorés”. Inicialmente, a produção de café dessas fazendas seguiu os moldes clássicos da plantation, com uso de mão-de-obra escrava.

Fonte: IBGE- Serra dos Aimorés : Nova Venécia, ES – [19–]
Acesso: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/nova-venecia/historico
A partir de fins da década de 1870, entretanto, a região passa a receber um fluxo significativo de migrantes vindos do Nordeste, que se estabeleceram ao longo do trecho do Vale do Rio São Mateus até a altura de Nova Venécia e seus arredores, onde se situavam essas fazendas pioneiras. A partir da historiografia local, entretanto, não é possível saber ao certo como era a relação de trabalho entre os proprietários de terra da região e esses migrantes.
Todavia, considerando no fato de que alguns desses fazendeiros – notadamente o Barão – já haviam alforriado os trabalhadores escravos antes da Abolição da Escravidão, é possível supor que tais fazendeiros mantiveram com esses migrantes algum tipo de relação de trabalho “livre”, porém não assalariado4 – algo próximo de uma relação de parceria ou meação, haja vista a enorme quantidade de terras virgens por onde os cultivos de café podiam ser facilmente expandidos desde que se dispusesse da mão-de-obra.
Nos anos de 1870 e 1880, portanto, a população pioneira na colonização de Nova Venécia e seus arredores era composta essencialmente por pessoas de origens africana/afrobrasileira e, principalmente, nordestina, distribuída esparsamente nas imediações dessas fazendas pioneiras.
É na década de 1880, sobretudo em seus últimos anos, e na primeira metade da década seguinte (entre 1889 e 1896), que um fluxo migratório de italianos começa a se dirigir ao Vale do São Mateus, onde vão juntar-se a nordestinos e afro brasileiros ali já estabelecidos. Grande parte desses imigrantes se estabeleceram no núcleo colonial de Santa Leocádia (situado em São Mateus, nas proximidades do atual Km 23 da Rodovia São Mateus-Nova Venécia).
Em virtude desse fluxo migratório diversificado rumo ao Vale do Cricaré em fins do século XIX, houve uma expansão significativa da área colonizada a partir do núcleo de Santa Leocádia, resultando na criação da “Seção Nova Venécia”, mais a montante do Vale. Em 1892, essa seção se converteu em em núcleo colonial, com grande quantidade de colonos se estabelecendo na localidade de Serra de Baixo e seus arredores, e cuja sede situava-se no atual morro da matriz de Nova Venécia.
Quanto às relações de trabalho envolvendo esses imigrantes, embora ainda careça de registros documentais, não é implausível que em Nova Venécia e seus arredores tenha ocorrido, à semelhança do que foi recorrente no restante do Espírito Santo, uma mudança no papel das classes dominantes em função das transformações socioeconômicas decorrentes da crise do regime escravocrata, principalmente a partir dos anos de 1880, quando esse cenário adverso à escravidão se tornava cada vez mais evidente. Nesse contexto, em muitas outras partes do território capixaba, muitos fazendeiros optaram pela venda de parte de suas terras aos migrantes recém-chegados a preços módicos e pagamentos parcelados e passaram a atuar antes como comerciantes de café do que propriamente como produtores desse gênero (sendo recorrente, por tal razão, aceitarem o próprio café produzido por esses pequenos agricultores como pagamento pelas terras).
O fato é que no alvorecer do século XX o médio curso do vale estava sendo efetivamente colonizado e sua população, ainda que lentamente, vinha crescendo desde os últimos decênios do século XIX, bem como sua produção de café.

Nesse contexto, a localidade da Cachoeira do Cravo se tornou um importante ponto de comercialização e transporte do café produzido na região. Até ali o transporte da produção era feito por meio de animais de carga. Mas daquele trecho em diante, era possível escoar a produção cafeeira em pequenas embarcações até o porto, na foz do rio.
O maior crescimento populacional, nesse contexto, teria ocorrido nos arredores da Fazenda Serra de Baixo, nas proximidades da atual sede de Nova Venécia. E em decorrência desse processo teria se formado, não muito longe dali, o povoado conhecido como “Barracão”, a partir do qual se originou a cidade de Nova Venécia.
Há ao menos duas versões que explicam a razão desse nome para o nascente povoado. Uma delas seria por conta da fundação, por parte de Vantuil Rodrigues da Cunha (parente do Barão), de um estabelecimento comercial (um barracão de madeira) à beira do Rio São Mateus, aproximadamente na altura de onde hoje funciona a delegacia de polícia da cidade, o qual servia de comércio e abrigo para tropeiros e que teria se tornado uma referência geográfica na região. A outra versão atribui a toponímia “barracão” à fundação de um abrigo provisório para os imigrantes italianos recém-chegados, fundado entre fins dos anos de 1880 e início da década de 1890, que se situava nas proximidades da atual igreja matriz, no mesmo morro.
Mas independentemente da origem da toponímia, o fato é que a progressiva formação de uma vila onde hoje se situa a cidade de Nova Venécia acabou por elevar esse nascente povoado à categoria de distrito de São Mateus na segunda metade da década de 1890. A mudança de toponímia (de “Barracão” para Nova Venécia) quando da elevação do povoado à condição de distrito teria sido em função da corrente migratória italiana e de sua forte presença naquela localidade onde se situava o barracão.

Vista da antiga Rua Salvador Cardoso quando ainda era chamada de Rua João Pessoa por volta de 1957. É o logradouro mais antigo de Nova Venécia, onde existiu o “Barracão” que albergou os imigrantes chegados a partir de 1892, na então sede do Núcleo Colonial de Nova Venécia e que popularmente deu nome a Nova Venécia por muitos anos. Em seu centro foi plantado um pé de manga em 1915 quando do nascimento de Romeu Cardoso, filho do homem que hoje tem seu nome eternizado nesta rua. Sua casa com mais de cem anos, sendo a mais antiga do centro da cidade, ainda resiste por lá e deve continuar a ser preservada para as futuras gerações. Acervo: Biblioteca IBGE.
Não obstante esse relativo dinamismo demográfico e econômico, a colonização não continuou a avançar rumo a montante do Vale ou outras áreas adjacentes nas décadas seguintes. Assim, no alvorecer do século XX, Nova Venécia era a última porção colonizada do Vale do São Mateus e também do interior do norte capixaba, o que levou Cícero de Morais (principal nome da Geografia Capixaba das décadas de 1950 e 1960) e classificar Nova Venécia como “cidade boca de sertão”, uma vez que ao longo de boa parte de sua recente história, ela foi rodeada por áreas ainda não colonizadas e não integradas à economia nacional, cobertas por matas virgens.
A quebra desse isolamento somente vai ocorrer a partir das primeiras décadas do século XX, quando o restante da porção interiorana do norte capixaba será efetivamente colonizada e integrada às economias capixaba e nacional, o que teve significativa influência no desenvolvimento urbano e econômico municipal de Nova Venécia.
3.2.3. O crescimento e desenvolvimento do município e da cidade de Nova Venécia
O processo de urbanização geralmente é decorrente do desenvolvimento de outras atividades além da agricultura, como comércio, prestação de serviço e atividades industriais. Nesse sentido, o crescimento do núcleo inicial de Nova Venécia esteve atrelado ao dinamismo econômico do município, que se ampliava à medida que a população crescia e a produção e comercialização de café se expandiam. Isso vinha ocorrendo de forma lenta, porém contínua, desde os anos de 1890.
A década de 1930, entretanto, marca um primeiro ponto de inflexão nesse processo, dando-lhe mais ímpeto em decorrência de investimentos em infraestrutura logística que favoreceram o comércio e a economia de Nova Venécia, dentre os quais se deve destacar a construção da ferrovia ligando a sede de Nova Venécia a São Mateus e a abertura de uma estrada de rodagem ligando Nova Venécia a Colatina.
A integração rodoviária e a efetiva colonização do norte capixaba
A porção interiorana do norte do Espírito Santo foi a última região do território capixaba a ser efetivamente colonizada e integrada às economias estadual e nacional, fenômeno que somente ganha ímpeto a partir da década de 1930, quando as terras devolutas ao sul já haviam praticamente se exaurido, formando uma grande demanda de novas terras para as futuras gerações de camponeses descendentes dos pequenos agricultores, nacionais e estrangeiros, que haviam colonizado as regiões sul e serrana do Espírito Santo.
Desde que a Ferrovia Vitória a Minas havia sido construída, Colatina tornou-se um importante centro comercial em território capixaba, para onde toda a produção de café e madeira da região no seu entorno era levada para ser embarcada nos trens até o porto de Vitória. Entre os anos de 1900 a 1940, Colatina é o município capixaba que apresenta maior dinamismo econômico e demográfico e rapidamente se torna o segundo maior centro urbano do Espírito Santo, atrás apenas da capital Vitória.
A construção da ponte sobre o Rio Doce, em Colatina, concluída no final dos anos de 1920, permitiu então que a porção interiorana do norte capixaba pudesse ser interligada por estradas de rodagem a esse novo e crescente centro urbano capixaba. Nas décadas seguintes (1930 e 1940), essas estradas vão chegar a Nova Venécia (passando por São Domingos e São Gabriel da Palha) e Barra de São Francisco (passando por Águia Branca) e, posteriormente, até às fronteiras com Minas Gerais e Bahia.
É ao longo desse processo que a maior parte das áreas do norte capixaba serão efetivamente colonizadas, haja vista essas estradas terem facilitado a penetração nesses sertões repletos de mata virgem, corroborando o crescimento populacional e surgimento de vilas e povoados, em grande parte originados da extração de madeira e de projetos particulares de colonização..
Por meio dessa nova infraestrutura rodoviária, portanto, Nova Venécia vai conectar-se a Colatina e também será local de passagem para o transporte de pessoas e cargas oriundas de outras partes do norte do Estado, o que contribuirá para seu desenvolvimento comercial e para melhorar sua comunicação com a capital, Vitória.
Esse fenômeno corroborou os fluxos migratórios rumo a todo o norte capixaba, o que teve deveras reflexos sobre Nova Venécia. Além das pessoas que foram atuar na extração de madeira e atividades correlatas, Nova Venécia, a partir de então, passa a receber um grande fluxo migratório, tanto de mineiros e nordestinos quanto de descendentes dos camponeses que colonizaram o sul e a região serrana do Espírito Santo, os quais se deslocam para o norte em função das terras ali serem mais baratas e, portanto, mais acessíveis a essas famílias de pequenos agricultores.
Etnicamente falando, esse fluxo migratório era deveras heterogêneo. Todavia, os indícios parecem indicar que os descendentes de italianos e alemães, por terem sido o foco dos projetos de colonização no restante do Espírito Santo ao longo do século XIX (a quem o acesso a terras foi facilitado/fomentado naquele contexto, em detrimento dos trabalhadores nacionais) em geral tinham uma situação socioeconômica mais favorável e tinham melhores possibilidades de comprar terras nessa nova região pioneira para suas futuras gerações, o que em partes explica a prevalência de pessoas dessas matrizes étnicas no rol de proprietário de terras em Nova Venécia e outros municípios vizinhos, como São Gabriel da Palha e Vila Pavão, por exemplo.
A estrada de Ferro e seus reflexos sobre o município de Nova Venécia
A construção da ferrovia interligando o distrito de Nova Venécia à sede do município de São Mateus se inicia ainda na década de 1920, com os trilhos chegando à Nova Venécia nos últimos anos dessa mesma década, o que também contribuiu com esse processo de colonização e crescimento demográfico e econômico do município.
Apesar dessa ferrovia ter desempenhado um papel importante no escoamento da produção de café (suplantando as precárias embarcações que desciam o vale, a partir da Cachoeira do Cravo, com a produção dos sítios e fazendas do município), sua construção está ligada principalmente à expansão da extração de madeira, atividade cuja importância na economia capixaba cresce significativamente nesse contexto, como já mencionado.
Não obstante a existência de madeireiras no médio curso do rio, na sede do atual município de Nova Venécia e também nas proximidades do distrito mateense de Nestor Gomes, as maiores madeireiras da região situavam-se em Conceição da Barra e São Mateus, à jusante do vale, para onde boa parte da madeira era transportada.
Para além da integração econômica e aumento da fluidez de pessoas e mercadorias entre os dois locais (São Mateus e Nova Venécia), a construção da ferrovia também fomentou a colonização e expansão demográfica das áreas por onde ela passava. A empresa responsável pela construção do ramal ferroviário recebeu, como parte do pagamento, a concessão de terras às margens do traçado da estrada de ferro para implantar projetos particulares de colonização. Caber-lhe-ia então delimitar as áreas e vendê-las a interessados.
E assim ela procedeu, realizando o parcelamento e venda de áreas agrícolas sob a forma de pequenas propriedades rurais, cujos compradores foram principalmente os descendentes de imigrantes já estabelecidos em município no sul e da região centro-serrana do Espírito Santo, regiões onde a combinação entre escassez de terras devolutas e contínuo crescimento da população camponesa gerou uma enorme demanda por novas terras para estabelecimento das futuras gerações dessas famílias, encarecendo sobremaneira os imóveis rurais nessas áreas de colonização mais antiga.
Nesse contexto, portanto, migrar para o norte tornou-se, cada vez mais, uma alternativa para assegurar terras às futuras gerações dos camponeses que habitavam as áreas mais ao sul do território capixaba, haja vista os preços mais baixos das terras nessa região ainda pouco povoada e até então relativamente isolada do Espírito Santo.

Locomotiva e vagão da EFSM – Estrada de Ferro São Mateus – estacionados ao lado da caixa d’água que existia em frente onde hoje se localiza a Câmara de Vereadores de Nova Venécia (trecho da atual Avenida Vitória – Centro da Cidade de Nova Venécia, próximo a foz do Córrego da Serra no Rio Cricaré). Fonte: “Anuário do Espírito Santo e Norte do Brasil” do ano de 1939, p. 37. Acervo: Carlos Benevides Lima Junior (via Facebook).
A empresa que construiu a ferrovia São Mateus-Nova Venécia aproveitou-se desse contexto e, ao fazê-lo, fomentou as migrações e o desenvolvimento da região, principalmente no trecho que vai de Nova Venécia aos distritos mateenses de Nova Aimorés e Santa Leocádia. Esse processo corroborou a expansão da cafeicultura praticada em pequenas propriedades, o qual já vinha se intensificando também por conta da construção da ponte sobre o Rio Doce, em Colatina, e abertura das estradas integrando o extremo norte capixaba ao restante do Espírito Santo, como já mencionado.
Pelas mesmas razões mencionadas no item anterior, a maior parte da ocupação dessas terras (por meio da compra) parece ter cabido, nesse contexto, aos descendentes de italianos e pomeranos oriundos de outras áreas ao sul do território capixaba.

Vista da Foz ou Barra do Córrego da Serra a partir de outro ângulo no início da década de 1940, onde se pode ver além da ponte sobre o Córrego da Serra, os trilhos e a caixa d’água que faziam parte da “Estrada de Ferro São Matheus”. Os pilares da velha ponte ainda existem no local sob os pilares da nova construída no início dos anos 1970. Local (atualmente em frente à Câmara de Vereadores) onde foi feita a primeira clareira na mata a partir do qual surgiu a cidade de Nova Venécia com destaque para os “barracões” erguidos na beira da Cachoeira Grande do Rio Cricaré pelos irmãos Wantuyl e Eleosippo Rodrigues da Cunha para pilar café por tração hidráulica, além de armazém de “secos e molhados”. Acervo: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES).
Apesar desses impactos socioeconômicos, a vida útil da ferrovia, entretanto, tal qual ocorreu com tantas outras ferrovias no território brasileiro, foi efêmera. O rápido esgotamento da madeira de lei das matas nativas, rapidamente destruídas pelo processo de colonização (e pela própria extração de madeira), levou o setor madeireiro à crise e à bancarrota a partir dos anos de 1960. E, aparentemente, apenas o fluxo do café e de passageiros não viabiliza economicamente o funcionamento da estrada de ferro, que acabou desativada.
Não obstante, seu legado ao processo de colonização e desenvolvimento econômico municipal foi muito significativo.
3.2.4. Pós-1970: Novas Dinâmicas e Consolidação da posição de Pólo Regional no Noroeste Capixaba
Embora os processo e dinâmicas dos espaços urbanos e rurais de Nova Venécia nas últimas décadas sejam abordados de forma mais detalhada nos capítulos específicos que tratam desses temas, convém aqui abordar, ainda que brevemente, alguns aspectos econômicos do município e como eles se refletiram sobre seu território em tempos mais recentes.
A partir dos anos de 1960 e 1970 todo o território Veneciano estará colonizado e integrado às economias capixaba e brasileira. A maior parte de suas terras, sobretudo nos trechos de seu território sob os domínios geomorfológicos dos Patamares com Afloramentos Rochosos, foi apropriada na forma de pequenas propriedades rurais, dedicadas principalmente à cafeicultura (e, em menor escala, à pecuária leiteira). Não obstante, também houve a formação de grandes fazendas, a maioria das quais dedicadas à pecuária de corte e situadas nos domínios geomorfológicos dos tabuleiros costeiros, que apresentam relevo menos acidentado, com declividades mais suaves.

Fonte: Igreja Nossa Senhora da Penha, em Cristalino. Foto tirada por técnicos do IJSN, Nova Venécia ES (P/B., 1985 12x9Cm.) Acesso: /ConteudoDigital/20120717_FOTO_FDIG_04039.jpg
Entrada da localidade de Cedrolândia. Onde vemos ao fundo a Igreja Matriz. Fonte: Foto tirada por técnicos do IJSN, Nova Venécia-ES (P/B., 1985 12x9Cm.) Acesso: /ConteudoDigital/20120717_FOTO_FDIG_04033.jpg
Quanto à cidade de Nova Venécia propriamente dita (ou seja, o perímetro urbano de sua sede), não obstante ela ainda fosse, no contexto dos anos de 1960 e 1970, apenas um povoado de pequeno porte se comparado à capital ou a outros centros urbanos importantes do Estado, como Cachoeiro de Itapemirim e Colatina, ela foi historicamente (ao longo do processo de colonização e integração do norte capixaba) um centro urbano de referência na região Noroeste, polarizando a vida social e econômica não apenas das vilas e distritos de seu território, mas também de povoados de municípios vizinhos, para os quais era uma referência no comércio de bens e serviços diversos, o que favoreceu seu processo de urbanização.

Praça Jones dos Santos Neves na década de 1960. Fonte: https://ocontestado.com/confira-algumas-imagens-que-contam-a-historia-de-nova-venecia-durante-os-anos/
A atividade industrial no município, apesar de relativamente pequena, já era significativa se comparada à situação de outros municípios em seu entorno,sendo baseada, sobretudo, em atividades diretamente ligadas à produção agropecuária (geralmente relacionadas ao beneficiamento dessa produção) que se fazia presente em Nova Venécia desde as décadas de 1950 e 1960.

Vista aérea de Nova Venécia em 1968. Fonte: https://ocontestado.com/confira-algumas-imagens-que-contam-a-historia-de-nova-venecia-durante-os-anos/
A partir de fins dos anos de 1980, entretanto, a extração de rochas ornamentais cresce sobremaneira no município, tornando-o um pólo de extração, beneficiamento e comercialização de rochas e um dos poucos locais da região onde o setor industrial tinha expressividade, o que teve fortes reflexos sobre seu processo de urbanização ao longo das décadas seguintes, corroborando que sua sede continuasse a ser a maior aglomeração urbana da região Noroeste do Espírito Santo.
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VASCONCELLOS, Ignácio Accioli de. Memória statística da província do Espírito Santo – 1828. Vitória: Arquivo Público do Espírito Santo, 1978.
1 Em um dado momento do século XIX, vai se configurar uma clara divisão étnica desse grupo, entre os Krenak, que habitavam o Vale desse curso d’água e seus respectivos afluentes da margem esquerda, e os Pojichá, que viviam entre o Alto São Mateus e o Vale do Mucuri, na divisa com Minas Gerais.
2 A partir dos anos de 1960 e 1970 começa a se configurar no Espírito Santo uma divisão territorial do trabalho no que tange a produção agropecuária, o que teve forte impacto sobre a estrutura fundiária e a economia de seus municípios do interior. Este fenômeno será abordado com mais profundidade no capítulo sobre as dinâmicas do espaço agrário capixaba e veneciano.
3 A partir de um desses relatórios, dos anos de 1850, é possível que concluir que apesar da dimensão das terras dessa família não serem tão expressivas comparativamente às demais, é preciso lembrar que o capital dos fazendeiros nesse contexto histórico se encontrava materializado antes dos escravos (cujo preço de mercado era extremamente elevado) que nas terras propriamente ditas, haja vista a inexistência de um mercado imobiliário de fato. E, quanto a esse aspecto, a fazenda da família Cunha contava com cerca de 300 escravos, quantidade muito superior a todos os demais imóveis mencionados, que em geral não ultrapassam algumas dezenas de trabalhadores cativos. Além disso, a fazenda da família Cunha era a única a fazer uso de engenho de força hidráulica (que era o que havia de mais avançado tecnicamente na agricultura praticada no Brasil), enquanto os demais engenhos e casas de farinha ainda faziam uso de bolandeiras ou apenas de força humana.
4 O assalariamento no campo é um fenômeno muito recente, e somente ganha expressividade já na segunda metade do século XX. Historicamente, a maioria dos arranjos entre proprietários de terra e trabalhadores rurais se deu por vias não assalariadas, que assumiram singularidades conforme cada região. Não obstante tais singularidades, esses acordos normalmente previam o direito ao trabalhador residir no local e trabalhar – ainda que parcialmente, paralelamente ao cultivo ou atividade principal da fazenda, de interesse do proprietário – em cultivos próprios, para seu consumo ou comercialização direta. São exemplos disso o colonato paulista e a agregação comum em Minas Gerais e no Nordeste.