Capítulo 5

CAMPO E DINÂMICAS DO ESPAÇO AGRÁRIO

Em função do viés urbanocêntrico da sociedade moderna-capitalista, costuma-se definir o campo em oposição à cidade. Categoriza-se como campo, portanto, aqueles recortes espaciais que carecem das características inerentes à noção de cidade.

Sob o prisma material, tangível, por exemplo, pode-se dizer que como as cidades são espaços marcados pela concentração populacional – tanto absoluta (total de habitantes) quanto relativa (alta densidade demográfica) -, o campo é normalmente associado (comparativamente à cidades) à maior dispersão populacional; em função das cidades serem espaços com grande presença e concentração de edificações e outras infraestruturas urbanas (ruas pavimentadas, iluminação pública, serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto etc.), resultando em um ambiente bastante “artificializado”, o campo é associado a ausência desses aspectos, estando associado à ideia de um espaço menos “artificializado”, mais próximo à natureza, e com menor presença da referida infraestrutura.

No que tange à economia, por sua vez, as cidades são espaços marcados por uma maior complexidade e diversidade econômica do que o campo. Não obstante atividades não-agrícolas tenham cada vez mais se desenvolvido também no campo (configurando aquilo que alguns autore têm chamado de “novas ruralidades”, fruto da dispersão do conteúdo urbano para além das cidades, influenciando também o campo), a proeminência de atividades agropecuárias ainda é um elemento de distinção do campo comparativamente às cidades.

Mas o aspecto mais definidor entre essas categorias geográficas – campo x cidade – é o caráter centrípeto dos fluxos em direção às cidades, o que as tornam espaços de encontros, locais das trocas, do comércio. Como já explicado no capítulo anterior, essa centralidade das cidades resulta de sua maior complexidade econômica – haja vista ser lócus proeminente da indústria e do setor terciário (comércio e prestação de serviços) – e de sua condição recorrente de lócus dos aparelhos da administração estatal nas mais diversas esferas – afinal, é nas cidades que normalmente se encontram os órgãos públicos, responsáveis pela gestão do território e execução de políticas diversas.

Apesar de existir campo sem cidade, não é possível a existência da cidade sem o campo, por este produzir algo de que a cidade não pode prescindir – alimentos. Todavia, costuma-se afirmar que sob o capitalismo (sobretudo em sua atual fase, no contexto da globalização) o campo é controlado pela cidade. Essa afirmação faz sentido? Em certo sentido, ela é correta. Expliquemos.

Para além do urbanocentrismo peculiar da cultura moderno-capitalista, é preciso reconhecer que a maior parte da produção agropecuária moderna não se inicia de fato no campo, mas na cidade, que é de onde são provenientes os insumos e equipamentos demandados pelas atuais técnicas ortodoxas de produção, bem como a assistência técnica necessária para a correta utilização desses insumos e equipamentos e os financiamentos necessários para prover os custos com tais bens e serviços; posteriormente à produção, também é fato que o beneficiamento e comercialização dessa produção são realizados predominantemente nas cidades, tornando o campo apenas uma etapa intermediária na cadeia produtiva e com relativamente pouca autonomia dentro dessa estrutura.

Em geral, portanto, ao menos quando se trata de cadeias produtivas mais amplas e em maior escala, é a cidade que determina o que será produzido no campo e como será produzido.

Para além da materialidade, entretanto, o conteúdo social também é um elemento de distinção entre campo e cidade, já que a forma como se dão as relações sociais tende a ser um pouco diferente entre campo e cidade, o que corrobora uma premissa teórica da Geografia tão defendida por Milton Santos e um vasto leque de autores, segundo a qual o espaço geográfico não é apenas reflexo da sociedade, um mero produto de sua ação, mas é também uma instância social – ou seja, ele também condiciona a forma como as relações humanas e a vida em sociedade se desenvolvem (trata-se de uma via de mão dupla, uma relação dialética).

Desta forma, embora o conteúdo rural seja inerente ao campo e o conteúdo urbano inerente às cidades, as novas tecnologias de comunicação e transporte da era da Globalização têm cada vez mais levado esse conteúdo urbano para além dos limites das cidades, inserindo-os no campo, onde comumente se entrelaçam ao conteúdo rural pré-existente, gerando aquilo que vêm sendo chamado de “novas ruralidades”, transformando não apenas o campo em si – o espaço geográfico propriamente dito, sua dimensão tangível – mas igualmente alguns aspectos culturais e as relações sociais que ali se desenvolvem.

Essas transformações culturais e sociais, entretanto, não acabam com o caráter camponês dos habitantes do campo, apenas o transformam, lhe dando novos ares, assemelhando-os em alguns aspectos às relações urbanas típicas da cidade, mas mantendo muitos outros elementos culturais e sociais de distinção – ou seja, o conteúdo rural não desaparece, ele se mistura a uma parte desse conteúdo, que cada vez mais chega ao campo.

Houve um tempo no Brasil, por exemplo, há algumas décadas atrás, em que o hábito de ler jornais ou assistir televisão diariamente foi algo caracteristicamente urbano. A progressiva chegada de energia elétrica e de sinal de rádio e televisão no campo nas últimas décadas alterou de fato alguns hábitos das famílias que viviam nessas áreas, mas isso não eliminou todas as diferenças sociais e culturais entre campo e cidade.

Da mesma forma, a presença da tecnologia da informação, com celulares, computadores e acesso à internet, têm contribuído para que muitos habitantes do campo passassem a ter novos hábitos de consumo (sobretudo de produtos culturais, como serviços de streaming) e novas formas de relações sociais (como as redes sociais no universo digital) que outrora eram algo peculiar das pessoas que viviam em cidades.Todavia, isso isso nem de longe chegou a homogeneizar culturalmente e/ou socialmente campo e cidade.

Quando comparamos campo e cidade, muitas distinções nas relações sociais e na cultura, portanto, permanecem – algumas mais explícitas, outras mais sutis. Mas não há que se falar em uma homogeneização, em uma completa urbanização do campo. Qualquer pessoa nascida e criada em uma cidade grande, sem vivência prévia no campo, é facilmente capaz de perceber tais diferenças quando tardiamente entre em contato com o campo e conteúdo rural que lhe é inerente; e o mesmo parece valer para o cenário inverso, quando uma pessoa nascida e crescida no campo, sem vivência prévia em uma cidade de maior porte, passa por alguma vivência em um centro urbano mais expressivo.

Desta forma, a despeito das transformações que as relações sociais e a cultura peculiares do campo têm vivenciado, ainda é bem perceptível, por exemplo, que as relações entre pessoas no campo tende a ser mais direta, pessoal, mais próxima, o que corrobora uma vida mais comunitária de fato, com maior atuação coletiva tanto para ações referentes a interesses públicos/comunitários como para ações de ajuda mútua a alguns membros da comunidade (como os mutirões para reformar uma residência ou colaborar na colheita seriam exemplos), tendo a vida eclesiástica um papel catalisador de tais ações, o que comumente torna a Igreja o epicentro da comunidade e corrobora que as relações se desenvolvam antes com base na proximidade do local de residência do que em afinidades mais específicas, como tende a ocorrer em ambientes mais urbanos.

Essa característica também contrasta fortemente com o individualismo que tende a permear as relações em centros urbanos, sobretudo os de maior porte, onde comumente os vizinhos mal se conhecem e por vezes sequer sabem os nomes uns dos outros, já que as interações são guiadas antes por afinidades culturais e sociais do que por proximidade geográfica (como é o caso do campo), o torna a existência nas cidades mais impessoal.

Mas se por um lado essas relações mais impessoais e urbanas dificultam a consolidação de uma existência comunitária e seus benefícios, por outro elas acabam também por permitir a pessoas que pertencem a grupos sociais historicamente discriminados e/ou subalternizados pelos padrões culturais hegemônicos (como mulheres, homossexuais, praticantes de religiões não-cristãs etc.) usar essa impessoalidade para se desvencilhar do maior preconceito e discriminação que tenderiam a enfrentar caso vivessem em um local onde todos se conhecem mais a fundo.

Enfim, não se quer aqui julgar se é melhor residir no campo ou na cidade (trata-se de um julgamento que cabe a cada um fazer, de acordo com sua condição, suas peculiaridades e seus anseios), mas enfatizar que, apesar das transformações desencadeadas pelas novas tecnologias (e, em decorrência disso, da maior presença de conteúdos urbanos no campo), as diferenças entre campo e cidade (não apenas morfológicas, mas de conteúdo social) ainda são evidentes e não há indícios de que estejamos indo no sentido de uma homogeneização desses espaços, seja quanto aos aspectos tangíveis – o que inclui a economia – ou seus respectivos conteúdos socioculturais.

5.1. O ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO

Por se tratar de um país de dimensões continentais, cujo território atravessa muitos domínios morfoclimáticos distintos, o espaço agrário brasileiro é bastante heterogêneo, tanto no que diz respeito às atividades mais expressivas em cada região quanto em relação ao tipo de relação de produção predominante.

Não obstante, analisando o espaço agrário brasileiro como um todo, duas características muito marcantes se destacam: o predomínio de grandes propriedades rurais e a prevalência de atividades agropecuárias voltadas à exportação.

ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA – 2017
Grupos de Tamanho dos imóveis Número de Imóveis Percentual ocupado da área agropecuária brasileira
menos de 100 hectares (pequenos) 4.524.365 20,44%
Mais de 100 a menos de 500 hectares (médios) 365.841 21,13%
Mais de 500 hectares (grandes) 106.081 58,42%

.Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 2017.

Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE (ver tabela acima), em 2017 os grandes imóveis rurais (aqueles com mais de 500 hectares de extensão) do país, que representam em torno de 2% do total de imóveis rurais, ocupavam quase 60% de todas as terras, ao passo que os pequenos imóveis rurais (aqueles com menos de 100 hectares de extensão), que representam mais de 90% do total de imóveis rurais, ocupavam pouco mais de 20% dessas terras.


Atividade
Utilização das Terras Agropecuárias Brasileiras
Área Absoluta (em hectares) Área Relativa
Produção de lavouras temporárias 91.409.423 26,02%
Horticultura e floricultura 1.560.567 0,44%
Produção de lavouras permanentes 14.128.777 4,02%
Produção de sementes e mudas certificadas 585.003 0,17%
Pecuária e criação de outros animais 223.711.018 63,68%
Produção florestal – florestas plantadas 14.225.310 4,05%
Produção florestal – florestas nativas 4.673.660 1,33%
Pesca 103.701 0,03%
Aquicultura 892.356 0,25%

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 2017.

Quanto ao uso dessas terras, os dados do Censo Agropecuário de 2017 indicam que as atividades voltadas à exportação ocupam a maior parte da área agropecuária do país, com destaque para as pastagens dedicadas à pecuária bovina, que ocupam mais de 63% das terras brasileiras (ver tabela), e as lavouras de grãos (sobretudo soja e milho), de gêneros tropicais muito visados nos mercados dos países de clima temperado (como café, banana, cacau e laranja) e de matéria prima para a indústria, como são os casos da cana-de-açúcar (para fabricação de etanol) e da silvicultura (produção de eucalipto, para fabricação de celulose) .

A área dedicada aos cultivos voltados ao abastecimentos das demandas alimentares do mercado interno brasileiro, como arroz, feijão, trigo e mandioca, ocupam uma área exponencialmente menor que as referidas atividades voltadas ao mercado externo, o que corrobora uma grande contradição: o Brasil é um país cuja economia é fundamentalmente agrário-exportadora, mas recorrentemente necessita importar os gêneros agrícolas que compõem a base da dieta de sua população1.

Notícias sobre importações realizadas pelo Brasil nos últimos anos: Canal Rural, 2023. Acesso em 30 de ago. 2023. ESTADÃO, 2023. Acesso em 30 de ago. 2023. CNN; Brasil, 2023. Acesso em 30 de ago. 2023.


PRINCIPAIS LAVOURAS PERMANENTES
ÁREA OCUPADA (EM HECTARES)
BANANA 390 MIL
CACAU 503 MIL
CAFÉ 1,6 MILHÕES
LARANJA 519 MIL
PRINCIPAIS LAVOURAS TEMPORÁRIAS ÁREA OCUPADA (EM HECTARES)
ARROZ 1,7 MILHÕES
CANA-DE-AÇÚCAR 9,1 MILHÕES
FEIJÃO 2,1 MILHÕES
MANDIOCA 0,7 MILHÕES
MILHO 15,7 MILHÕES
SOJA 30,7 MILHÕES
TRIGO 1,8 MILHÕES

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 2017.

De fato, tais características e contradições (concentração fundiária e prevalência de atividades agropecuárias voltadas à exportação) estão interligadas e são recorrentes na maioria dos países da América Latina, África e Ásia que no passado foram colônias ou protetorados (estados subjugados) de países Europeus.

5.1.1. A colonização portuguesa e as raízes da concentração fundiária brasileira

Historicamente, o processo de desenvolvimento do capitalismo, desde os primórdios da Modernidade, implicou a invasão e conquista dos territórios dos povos nativos da América, da África e da Ásia por parte dos Estados da Europa Ocidental, berço do capitalismo e epicentro de sua expansão.

Essa progressiva colonização do mundo pelos europeus gradativamente submeteu diversas outras partes do mundo à lógica capitalista, desenvolvendo assim o caráter global que caracteriza esse sistema.

O ímpeto dos países europeus em conquistar colônias deveu-se, sobretudo, em função do propósito de expandir suas relações mercantis, buscando tanto novos mercados consumidores para as mercadorias produzidas na Europa quanto a obtenção, nessas novas terras, de metais nobres (ouro, prata) e outros produtos que tivessem alto valor de mercado no velho continente.

Dentre esses produtos de alto valor de mercado na Europa, os gêneros agrícolas tropicais sempre se destacaram, haja vista o clima europeu (que é temperado, com inverno muito rigoroso e alta amplitude térmica anual) impossibilitar sua produção in loco. Por isso, as áreas mais visadas pelos impérios coloniais europeus a partir da Modernidade não eram apenas aquelas onde havia muitas jazidas conhecidas de ouro, prata, diamantes etc. mas também aquelas que apresentavam clima tropical e, portanto, podiam se tornar grandes produtoras de tais gêneros agrícolas cujo comércio era altamente lucrativo na Europa.

Tal foi o caso brasileiro. Durante o período que o Brasil foi uma colônia portuguesa, entre os séculos XVI e XIX, a Coroa Lusitana não lucrou apenas com a extração de ouro e diamantes, mas também – e sobretudo – com a produção de um gênero tropical cujo consumo pelos europeus se expandiu consideravelmente a partir da modernidade: o açúcar.

A invasão portuguesa aos territórios dos diversos povos indígenas que habitavam originalmente o Brasil não se deveu apenas à busca por ouro e pedras preciosas, mas igualmente ao projeto de transformar essas terras em uma grande produtora de açúcar, gênero que era muito visado e tinha altos preços de mercado na Europa.

Em função desse objetivo, o domínio lusitano no Brasil transformou-o em uma colônia de exploração, ou seja, o objetivo da Coroa Portuguesa não era, em si, o povoamento do Brasil por portugueses. A presença de portugueses e outros europeus nessas terras foi efetivada apenas porque tal feito era um pré-requisito para o desenvolvimento econômico dessas atividades geradoras de mercadorias de alto valor de mercado na Europa.

Em função do objetivo fundamental da colonização ser a obtenção desses gêneros tropicais de exportação, Portugal optou por um modelo de colonização baseado em grandes propriedades rurais, visando a produção em larga escala de tais produtos. E uma produção em larga escala, em uma época na qual não havia maquinários capazes de automatizar o processo produtivo como hoje, demandava um grande contingente de mão-de-obra, cuja obtenção se deu pelo meio que se mostrou mais lucrativo à Coroa Lusitana e aos colonizadores que aqui se estabeleceram: a escravidão moderna, tanto dos povos indígenas quanto (e principalmente) dos povos da África Subssariana.

Por isso, durante o domínio colonial português sobre o Brasil, todas as terras eram pertencentes ao Estado Português e somente poderiam ser utilizadas por aquelas pessoas que recebiam sua concessão de uso diretamente da Coroa Lusitana. Essa concessão de uso chamava-se sesmaria e somente era outorgada a pessoas que a Coroa Portuguesa acreditasse terem capacidade financeira de promover a produção em larga escala de tais gêneros tropicais de exportação, sobretudo o açúcar. Como a mão-de–obra escrava era necessária a tal empreendimento, o principal critério adotado pela Coroa Portuguesa para a concessão de sesmarias era a comprovação da capacidade financeira para a aquisição de escravos.

Desta forma, desde os primórdios da história colonial brasileira, o acesso à terra foi um privilégio dos membros mais abastados do reino de Portugal. Além da escravização e genocídio de indígenas e africanos/afrobrasileiros, não havia um mínimo de justiça social sequer entre os próprios colonizadores: apenas portugueses comprovadamente ricos tinham acesso formal ao direito de uso das terras da colônia. Tais circunstâncias corroboram o predomínio de uma produção agropecuária nos moldes do que se convencionou chamar de plantation: grandes propriedades rurais (latifúndios), com utilização de trabalho escravo e dedicadas a monoculturas de exportação.

Essa prevalência do modelo de plantation é a raíz do caráter socialmente desigual e racista que historicamente marcou e ainda marca o Brasil, o qual se reflete sobre o campo e a produção agropecuária atual sob a forma de uma forte concentração fundiária (poucas pessoas são donas da maior parte das terras, enquanto a maioria dos agricultores e trabalhadores rurais têm pouca ou nenhuma terra) e de uma economia agropecuária contraditória, que canaliza a maior parte de seus recursos e esforços a atividades voltadas à exportação ao passo que necessita importar os alimentos mais consumidos no mercado interno, que compõem a base da dieta de sua população.

5.1.2. Fim do período colonial e a perpetuação (e modernização) da plantation e da concentração fundiária brasileira

Em 1822 o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa, tornando-se um Estado Independente, sob o Regime Imperial. Em virtude dessa transformação política, as terras brasileiras deixaram de ser propriedade da Coroa Portuguesa e o acesso a elas deixou de ocorrer mediante a concessão de sesmarias.

A Lei de Terras de 1850 transformou a terra, de fato, em propriedade privada. Ela reconheceu o direito de propriedade sobre as áreas cuja concessão de uso sob a forma de sesmarias havia sido feita pela Coroa Lusitana ao longo do período colonial e determinou que as demais terras, sem título de domínio, seriam devolutas, pertencendo ao Império Brasileiro, e deveriam ser adquiridas mediante compra diretamente ao Governo Imperial.

Em um país historicamente marcado pela alta desigualdade social, a determinação de que a aquisição de terras deveria se dar exclusivamente mediante compra2 acabou por excluir as possibilidades da maior parte de sua população conseguir obter formalmente o título de propriedade e/ou o direito de uso sobre as terras, que continuaram a ser algo praticamente exclusivo das pessoas mais ricas do país, sobretudo nas áreas economicamente mais dinâmicas do Brasil (onde as terras eram ainda mais visadas pelas oligarquias), perpetuando assim a concentração fundiária e a exclusão social no campo brasileiro.

Não é mera coincidência que a Lei Terras tenha sido promulgada 1850, no mesmo ano da Lei Euzébio de Queiroz, que proibiu o tráfico de escravos no Brasil (em grande medida, por força da pressão Inglesa). Sem a possibilidade de poder importar mais pessoas escravizadas, para atender à crescente demanda de mão-de-obra (que, diga-se, aumentava sobremaneira em virtude da rápida expansão das lavouras de café, que passa a ser o principal produto de exportação brasileiro a partir de então), a alternativa adotada foi a de promover/incentivar a migração de outros povos europeus (sobretudo italianos e germânicos) como forma de, simultaneamente, obter a mão-de–obra necessária às lavouras e promover o “branqueamento” da população brasileira, que era então composta majoritariamente por pessoas não-brancas (negros, indígenas, mestiços)3.

A Proclamação da República, em 1889, não apenas manteve esse mecanismo excludente como na prática acabou por reforçá-lo, ao retirar do Governo Central as competências de legislar e gerir a concessão de terras devolutas, transferindo-as aos governos das províncias, os quais eram efetivamente controlados pelas tradicionais oligarquias latifundiárias, as quais tendiam a legislar em causa própria e estabelecer diretrizes e pré-requisitos para a aquisição de terras que privilegiam aqueles que já eram grandes proprietários de terras, acentuando assim a concentração fundiária e reforçando, por consequência, o poder econômico e político dessas oligarquias, corroborando o fenômeno do coronelismo.

Apesar da redução das desigualdades sociais no campo ser imprescindível ao êxito do projeto político-econômico nacionalista da Era de Getúlio Vargas (1930-1945) e/ou ao projeto nacional-desenvolvimentista que marcou a maior parte da Segunda República (1945-1964), em função do poder econômico e político dos grandes proprietários de terras (que sempre foram a classe social hegemônica no páis), o Brasil chegou à segunda metade do século XX sem ter realziado qualquer tipo de política de reforma agrária, perpetuando e intensificando assim o quadro de concentração funidária que historicamente caracterizou o páis.

A discussão sobre a necessidade de democratizar o acesso a terra como forma de reduzir as desigualdades no campo e expandir o mercado consumidor interno brasileiro ganha visibilidade a partir de meados do século XX, tanto função do desenvolvimento urbano-industrial do país (que demandava a expansão do mercado interno) quanto em virtude da atuação das Ligas Camponesas no Nordeste (que foi o primeiro movimento social a formalmente defender a bandeira da Reforma Agrária no país, com forte atuaão entre as décadas de 1940 e 1960), chegando a compor a pauta política não apenas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas também dos correligionários de Vargas no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Todavia, não houve avanços políticos mais efetivos em função do poder das oligarquias rurais do país, que é reforçado pelo Golpe Militar de 1964, o qual recebeu apoio da maior parte dos latifundiários brasileiros, classe social que foi um dos pilares de sustentação da ditadura civil-militar que governou o país entre 1964 e 1985, período durante o qual ocorreu a intensificação da expansão das fronteiras agrícolas rumo ao Cerrado e à Amazônia, processo que foi extremamente excludente, privilegiando as oligarquias (em detrimento de pequenos agricultores) e corroborando a invasão e usurpação de territórios indígenas e de outras comunidades tradicionais, o que levou essas regiões a ter um quadro de concentração fundiária ainda mais extremo que o das demais regiões do Brasil (ver mapa).

Fonte: IMAFLORA, 2020. Acesso em: 30 de ago. 2023. Mapa da distribuição geográfica dos maiores e menores imóveis que ocupam 25% da área dos imóveis do Brasil (as áreas em vermelho indicam a presença dos maiores latifúndios do país, que estão concentrados no Centro-Oeste, Amazônia e partes do Nordeste).

Os problemas sociais decorrentes dessa histórica perpetuação da concentração fundiária brasileira, os quais sempre foram graves e muito caros ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil, se agravaram ainda mais em decorrência da chamada Revolução Verde, nome dado ao processo de desenvolvimento e disseminação de novas técnicas de produção agropecuária após a Segunda Guerra Mundial, dotando essa atividade de uma lógica quase industrial, com crescente uso de maquinários para automação da produção (diminuindo a demanda por mão-de-obra na agropecuária), o que teve forte impacto social, e uso de venenos e adubos químicos, o que acarretou também uma ampliação dos impactos ambientais.

Como a propriedade da maior parte das terras brasileiras sempre esteve nas mãos de poucas pessoas, a maior parte dos postos de trabalho no campo não se devia ao trabalho familiar, típico da agricultura camponesa. A maioria das pessoas que residiam no campo brasileiro sempre tiveram seu sustento submetendo-se ao trabalho em terras de grandes proprietários rurais por meio de relações de parceria, meação, agregação e/ou como diaristas.

O advento da Revolução Verde, portanto, ao reduzir a demanda de mão-de-obra nas atividades agropecuárias, acabou também por inviabilizar a permanência desses sujeitos no campo (em função da concentração fundiária), sendo um dos principais fatores por trás do intenso êxodo rural que marcou o Brasil na segunda metade do século XX.

A maior parte da população urbana do Brasil entre as décadas de 1960 e 1990 não era de fato composta por pessoas nascidas na cidade e que compartilhavam do conteúdo social urbano que lhes é inerente, mas por camponeses que foram expulsos do campo. Em geral, essas migrações não foram propriamente fruto de uma opção, mas decorrentes da falta de opção, em um país onde a reforma agrária nunca foi de fato uma política que o Estado Brasileiro tenha efetivado.

5.1.3. As contradições capitalistas e os diferentes modos de viver e produzir no campo

Como já mencionado, a heterogeneidade do campo brasileiro não se deve apenas às diferenças naturais entre suas diversas regiões, mas sobretudo à forma como tais singularidades se entrelaçaram aos aspectos históricos de sua formação territorial.

Embora essa amálgama de elementos histórico-geográficos tenha resultado, em linhas gerais, em uma cenário de forte concentração fundiária no Brasil, ele não inviabilizou por completo a existência das pequenas e médias propriedades rurais. Contraditoriamente, a depender do tipo de atividade agropecuária que historicamente foi predominante em cada parte do país, a agricultura familiar/camponesa4 encontrou melhores ou piores possibilidades de se reproduzir.

As regiões onde predominam atividades como a cafeicultura, criação de pequenos animais, horticultura, olericultura, por exemplo, geralmente apresentam uma estrutura fundiária com predomínio de pequenas propriedades rurais, nas quais predomina aquilo que costumamos chamar de agricultura camponesa ou familiar, cuja força de trabalho é basicamente proveniente da própria unidade familiar, sem recurso a contratação de assalariados permanentes (embora seja recorrente o uso de trabalho de diaristas em períodos mais críticos de demanda de mão-de-obra ou a constituição de relações de “meação”, quando a extensão das terras e o tamanho das lavoura excedem a capacidade de trabalho da própria família camponesa).

Já áreas onde predominam, por exemplo, atividades como a pecuária extensiva (sobretudo de corte), silvicultura, cana-de-açúcar e soja, tendem a apresentar um elevado grau de concentração da propriedade da terra, configurando aquilo que denominamos agricultura capitalista ou agronegócio5. Trata-se de uma forma de produzir que possui um claro viés empresarial (e não-camponês) que se assemelha à lógica industrial, configurando um modelo de produção com baixa demanda de força de trabalho – seja em função da automação mediante uso de maquinários (como são notadamente os casos da produção de grãos e de cana-de-açúcar, por exemplo) ou do fato de tal demanda de força de trabalho ser pequena ou inexistente em virtude de características inerentes à atividade (como são os casos da pecuária extensiva de corte e da silvicultura, por exemplo) – e de caráter monocultor (geralmente esses grandes imóveis rurais dedicam-se a apenas um tipo de atividade agropecuária).

Mas o que explica a coexistência de dois modelos de produção tão distintos? As evidências indicam que ele deve-se às diferentes demandas de uso da força-de-trabalho e aos riscos inerentes a cada uma dessas atividades.

Nas atividades agropecuárias, diferentemente das atividades urbanas (como comércio e indústria), o tempo de produção de um determinado gênero não depende apenas dos seres humanos diretamente envolvidos no processo produtivo. Ele depende também do tempo da natureza, do ritmo de desenvolvimento fisiológico de vegetais e/ou animais. Em decorrência disso, a demanda de trabalho em uma determinada atividade agropecuária geralmente não segue um ritmo constante, linear, ao longo de todo o processo produtivo, tendendo a apresentar uma grande variação sazonal, em que se alternam momentos de grande demanda de trabalho e momentos de baixa demanda.

A cafeicultura, atividade historicamente predominante no Espírito Santo e também em Nova Venécia, exemplifica isso. O café tem um ciclo anual, ou seja, a colheita ocorre apenas uma vez ao ano. Nos períodos de desbrota, poda e, sobretudo, de colheita, que respondem por pouco mais de dois a três meses de trabalho intensivo ao longo do ciclo anual, há uma grande demanda de força de trabalho. No restante do período, entretanto, a demanda de força-de-trabalho é relativamente pequena, já que limita-se à necessidade de manutenção da lavoura, o que, pelos métodos ortodoxos, significa promover a “limpeza” da área da plantação (mediante remoção de outras plantas que estejam crescendo em meio aos pés de café, para evitar a concorrência por nutrientes) e a aplicação de produtos para combater as “pragas” que mais recorrentemente afetam esse cultivo (geralmente mediante aplicação de inseticidas e fungicidas) e de adubos para reposição dos nutrientes do solo de que o plantio necessita.

Para uma lógica empresarial (como é o caso do agronegócio), o pagamento de salários sem a utilização máxima da força de trabalho do empregado é concebido como um “desperdício” dos recursos financeiros destinados a ela (o que significa elevação do custo de produção e, consequentemente, diminuição da margem de lucro).

Por sua vez, para a agricultura familiar ou camponesa, que usa basicamente a mão-de-obra dos membros da família, essa oscilação sazonal de demanda de trabalho não é um grande problema, pois ao contrário de atividades tipicamente urbano-capitalistas, na agricultura camponesa/familiar não existe um custo de produção fixo atrelado a “salários”.

Essa mesma diminuição sazonal da demanda de mão-de-obra, portanto, não é vista como uma problema para a família de pequenos produtores rurais, que nestes períodos de baixa demanda de trabalho em uma certa lavoura, podem dedicar-se a outras atividades agropecuárias (haja vista o caráter mais policultor das pequenas propriedades e da agricultura familiar/camponesa) ou mesmo aproveitá-lo para descansar, usufruindo de uma jornada de trabalho mais leve (sem enxergar isso como um “desperdício” de recursos) .

Um outro aspecto adverso ao uso do assalariamento em atividades agropecuárias é possibilidade eventual, mas real, de ocorrência de uma jornada de trabalho que exceda os horários e limites estabelecidos pela legislação trabalhista (que geralmente é feita pensando em atividades urbanas e não na produção agropecuária).

Isso tem maiores possibilidades de ocorrer, por exemplo, nos períodos de pico de demanda de mão-de–obra (como, por exemplo, ante a necessidade de se finalizar logo o processo de colheita de um produto, sob o risco de perda por perecimento do produto) ou em decorrência de fenômenos excepcionais (como, por exemplo, ante a ocorrência de incêndios em períodos de seca ou a iminência de uma geada em invernos muito rigorosos) que demandem ações imediatas – independentemente da hora do dia ou da noite – que podem se alongar por muito mais do que 10 ou 12 horas diárias e se iniciar em momentos previstos para o descanso do trabalhador..

Em tais circunstâncias, portanto, se houver o recurso a mão-de-obra assalariada que não seja em regime de escala previamente definido/contratado, há uma grande chance de configurar-se algum tipo de violação da legislação trabalhista, resultado em custos com ações judiciais e indenizações aos trabalhadores, o que, sob o viés empresarial, também configura um aumento do custo de produção e diminuição da margem de lucro. E, da mesma forma, a manutenção perene de trabalhadores em regime de escala sem que haja uma demanda igualmente perene de uso dessa mão-de-obra tende igualmente a ser vista como uma ampliação demasiada do custo de produção que tem por corolário uma retração da margem de lucro do empresário ou empresa agropecuária.

Como riscos elevados inibem investimentos, as atividades agropecuárias que por questões fisiológicas dos animais ou vegetais criados/cultivados tendem a apresentar grande dependência de condições de climáticas muito específicas e/ou cuidados muito intensivos, sob risco de grande perda da produção, também tendem a não se mostrar atrativas à lógica do agronegócio, já que as chances de prejuízos são maiores, seja em decorrência das intempéries propriamente ditas ou de processos/indenizações trabalhistas.

Exemplos desse tipo de atividade seriam a avicultura (sobretudo para corte) e a criação a produção de seda (mediante criação do bicho-da-seda). Em tais atividades, quais problemas na ambientação do criadouro tende a gerar elevadíssima mortalidade dos animais, além dos cuidados intensivos necessários também serem pouco viáveis por meio de mão-de-obra assalariada pelos fatores previamente descritos, haja vista a recorrência imprevisível de situações em que a demanda de trabalho é urgente e intensa (e, portanto, incompatível com a legislação trabalhista ou demasiado cara – sob o prisma empresarial – se as contratações de assalariados forem feitas por regime de escala de forma a garantir a disponibilidade de empregados ao longo das 24 horas do dia).

Por tais razões, o agronegócio (agricultura capitalista) tende a não se inserir em atividades agropecuárias que apresentem grande demanda de mão-de-obra (sobretudo aquelas que também apresentam grande oscilação sazonal de demanda de força de trabalho) ou altos riscos inerentes à atividade(geralmente em virtude de singularidades das espécies animais ou vegetais envolvidas).

Nesses casos, a lógica capitalista tende a deixar a produção agropecuária propriamente dita sob a forma da agricultura familiar/camponesa. As empresas geralmente especializam-se, nesses casos, em comprar e beneficiar a produção camponesa, tirando de si os riscos inerentes à produção desses gêneros agropecuários.

O agronegócio, portanto, tem maior propensão a ingressar em atividades onde a demanda de trabalho é inerentemente pequena – como são os casos, por exemplo, na pecuária de corte e da silvicultura – ou foi reduzida drasticamente mediante uso intensivo de maquinários e outras tecnologias da Revolução Verde e nas quais os riscos por conta de aspectos fisiológicos e climáticos tendem a ser menores6 (o que por vezes também foi uma decorrência dessas novas tecnologias), como são os casos, por exemplo, das lavouras de soja e de cana-de-açúcar (ver tabela a seguir).


ATIVIDADE AGROPECUÁRIA
MÉDIA DE EMPREGOS GERADOS PARA CADA 100 HECTARES DEDICADOS À ATIVIDADE
TOMATE 245
CAFÉ 49
MANDIOCA 38
BATATA 29
ARROZ 16
FEIJÃO 11
CANA-DE-AÇÚCAR 10
SOJA 2
PECUÁRIA DE CORTE 0,24

Fonte: Fundação Seade, 2000.

Como reflexos geográficos dessas contradições do desenvolvimento da lógica capitalista sobre o campo, constata-se que quando a atividade agropecuária apresenta grande demanda de mão-de-obra e/ou significativa oscilação de demanda de trabalho ao longo do ciclo produtivo, constata-se uma maior tendência ao predomínio da agricultura camponesa/familiar naquele ramo7. Consequentemente, as regiões onde predominam tais ramos da produção agropecuária tendem a ter uma estrutura fundiária baseada em pequenas e médias propriedades rurais e a apresentar elevada densidade demográfica no campo – um campo habitado, repleto de pessoas, de vida.

As regiões onde predominam atividades capitaneadas pela agricultura capitalista/agronegócio, por sua vez, tendem a ter baixa demanda de mão-de-obra no campo e são, portanto, marcadas por baixíssimas densidades demográficas em sua zona rural – tende a formar-se um campo sem pessoas, sem gente.

5.1.4. A autonomia relativa da agricultura familiar/camponesa dentro do sistema capitalista

O fato das relações de produção da agricultura familiar/camponesa não serem propriamente capitalistas não significa que sua produção ocorra à revelia dos imperativos da lógica de mercado capitalista. Os agricultores familiares/camponeses, tais quais praticamente qualquer outro sujeito na era da globalização, têm uma série de necessidades de consumo (bens e serviços) que não podem ser satisfeitas dentro da própria unidade de produção familiar, necessitando recorrer ao mercado: de automóveis a eletrodomésticos, passando por medicamentos, vestuário, serviços médicos etc.

Quanto mais essas novas necessidades de consumo foram crescendo nas últimas décadas do século XX, mais as unidades de produção camponesa/familiar se viram impelidas a deixar de lado uma lógica econômica de comercialização de excedentes8 para canalizar seus esforços em prol de produtos destinados exclusivamente aos mercados. Se antes plantava-se o que a família precisava e vendia-se o excedente, agora a pergunta que guia o processo desde seu início é “o que se vende com facilidade no mercado”?

Os agricultores familiares/camponeses tendem, portanto, a analisar quais produtos tem uma saída fácil, com uma demanda de mercado suficiente para assegurar sua venda na região onde se situa a unidade camponesa/familiar. Afinal de contas, a produção exclusiva para o mercado só faz sentido ante a certeza da venda.

Tais possibilidades dependem sobremaneira da forma como as cadeias mais amplas de comercialização dos gêneros agropecuários estão organizadas geograficamente, haja vista não se estenderem por todos os lugares igualmente. Não é possível, portanto, ao agricultor, vender com facilidade qualquer coisa que ele plante, em qualquer quantidade, em qualquer lugar. Essas possibilidades tendem a ser melhores (no sentido de haver uma grande demanda e certeza de venda) nos casos dos produtos cujas cadeias mais amplas de produção/comercialização (que vão além dos mercados locais) se façam presentes no município ou região onde se situa a propriedade rural produtora.

Nova Venécia, por exemplo, integra cadeias de produção/comercialização em larga escala de produtos como café, pimenta, silvicultura ou derivados da pecuária. Tais produtos, portanto, geralmente são facilmente absorvidos pelo mercado ante a significativa presença de toda uma cadeia de empresas beneficiadoras ou de atravessadores em âmbito local ou regional. Outros gêneros, entretanto, vão demandar um maior esforço do produtor rural para serem comercializados e vão depender bastante da comercialização direta (quando o produtor vende direto ao consumidor final) e, consequentemente, das demandas locais, sobretudo das demandas para abastecimento urbano.

Em municípios demograficamente de pequeno porte (como Nova Venécia), entretanto, tais possibilidades de atuação direta no abastecimento urbano são relativamente pequenas justamente em função do pequeno porte demográfico municipal/regional, tendo ainda como fator adverso – como é o caso do norte capixaba como um todo – o fato das cadeias de supermercados geralmente comprarem tais gêneros diretamente do CEASA da região metropolitana da Grande Vitória (que é abastecido principalmente por produtores rurais da região Central-Serrana, nos arredores da capital) e não dos produtores locais/regionais. Desta forma, as possibilidades de comercialização direta praticamente restringem-se às feiras livres.

Como se percebe, portanto, a autonomia da agricultura camponesa/familiar encontra uma limitação nesses imperativos do mercado. Não é fácil produzir e vender qualquer coisa em qualquer lugar. E, portanto, há uma forte tendência às pequenas propriedades rurais se especializarem nos gêneros cujas cadeias de produção/comercialização mais amplas estão presentes em sua região, haja vista a maior facilidade e certeza de venda da produção.

Em outras palavras: geralmente os pequenos agricultores de uma região produzem aquilo que a lógica capitalista (leia-se: empresas e empresários) demanda naquela região.

Isso se reflete em um certo poder de monopsônio (quando existem poucos compradores em potencial) por parte desses poucos compradores, já que a compra e beneficiamento de um grande volume de produção demanda uma grande disponibilidade de capital, limitando assim o número de agentes locais/regionais que atuam nesses processos como compradores e/ou beneficiadores da produção.

Esse número reduzido de compradores em potencial de grandes volumes de produção confere a esses agentes, portanto, vantagens nas negociações com os produtores. Desta forma, os agricultores familiares/camponeses frequentemente se vêem obrigados a vender seus produtos pelo preço que esses poucos compradores estiverem dispostos a pagar, sem muito poder de barganha/negociação.

Assim, empresas e empresários que atuam na compra e/ou beneficiamento da produção agropecuária camponesa lucram sem precisarem correr os riscos inerentes à produção agropecuária, que ficam inteiramente a cargo dos agricultores familiares/camponeses.

5.1.5. A (não) Reforma Agrária no Brasil.

Como discorrido aqui, há uma inegável influência de fatores históricos e naturais sobre a divisão territorial do trabalho na produção agropecuária, e essa divisão é o maior determinante das características da estrutura fundiária e das dinâmicas rurais em cada parte do país.

Não obstante, as políticas públicas podem ter um considerável influência sobre tais processos e as características geográficas a eles atreladas, notadamente por meio das políticas de financiamento agropecuário9 e, sobretudo, por meio da reforma agrária.

Por Reforma Agrária entende-se um conjunto de políticas públicas que visam mudar a estrutura fundiária de um determinado território, geralmente mediante redistribuição das terras dentro deste recorte geográfico, sendo de grande importância para a reprodução social camponesa ante as adversidades que o capitalismo tende a implicar à sua permanência no campo.

Tradicionalmente, este tipo de política tem sido implantada em diversos países com o propósito de desconcentrar a propriedade da terra, tendo em vista que os dados econômicos facilmente comprovam que historicamente houve uma maior e mais intensa utilização do potencial agropecuário das terras quando exploradas na forma de pequenas e médias propriedades do que sob a forma de latifúndios (imóveis de grande dimensão), além do fato comprovado de que uma estrutura fundiária baseada em pequenos e médios imóveis tendeu a gerar mais empregos e a promover uma melhor distribuição de renda, o que acaba por fomentar o mercado consumidor interno e contribuir para o processo de desenvolvimento econômico regional/nacional de forma mais ampla, como a história econômica de diversos países centrais do capitalismo (os chamados “países desenvolvidos”) o comprovam.

Mesmo com todos os avanços tecnológicos proporcionados pela Revolução Verde, que acarretou aumento na produtividade dos grandes imóveis graças à utilização de maquinários e insumos diversos, em países como o Brasil ainda é possível constatar essa maior eficiência e produtividade em imóveis de pequeno e médio porte do que em latifúndios, como as análises do último Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam.

As grandes propriedades rurais ocupam a maior parte da área agropecuária brasileira (mais de 60% dela) mas respondem por apenas cerca de ¼ dos empregos do campo, ao passo que as pequenas propriedades rurais, que ocupam apenas cerca de 20% da área agropecuária do país, mas geram cerca de 70% dos empregos no campo, além de serem as principais responsáveis pelo abastecimento da demanda interna de alimentos.

É notório, como já mencionado, que os países centrais do capitalismo, mais comumente chamados de “países desenvolvidos”, em sua grande maioria se beneficiaram de uma estrutura fundiária baseada em pequenas e médias propriedades rurais, a qual teve papel de grande relevância na constituição de seu mercado interno, seja expandindo o mercado consumidor rural (por sua maior capacidade de geração de emprego e renda no campo, transformando os camponeses em consumidores em potencial dos produtos e serviços oriundos das cidades) e também por meio da ampliação do poder de consumo dos mercados urbanos, uma vez que uma maior disponibilidade de postos de trabalho no campo historicamente contribuiu para o aumento dos salários médios nas áreas urbanas – onde historicamente houve grande disponibilidade de postos de trabalho no campo, a indústria e o comércio tiveram que oferecer salários atrativos para convencer o campesinato a migrar para as áreas urbanas e assim servir-lhes de mão-de-obra (o caso do norte dos Estados Unidos é, nesse sentido, o exemplo histórico mais notório).

Além disso, deve-se considerar também que devido à maior produtividade agropecuária historicamente apresentada por pequenos e médios imóveis rurais, que são os principais responsáveis pelo abastecimento do mercado interno, o que historicamente tendeu a resultar em diminuição do custo de vida da classe trabalhadora (por baratear os alimentos), ampliando assim a parcela da renda dos habitantes das cidades que poderia ser destinada ao consumo de outros produtos da indústria e do comércio nacional/regional/local, impulsionando a diversificação e o crescimento econômico nacional/regional/local.

Em alguns casos, como os Estados Unidos, essa estrutura fundiária baseada em pequenos e médios imóveis rurais se formou espontaneamente a partir do modelo de colonização ali implantado. Com exceção das colônias do sul, as demais colônias que originaram este país constituíram-se em colônias de povoamento, sem grande importância no que tange à exportação de produtos para a Europa (em virtude da semelhança climática), e serviram de local para imigração do excedente populacional europeu. Os migrantes receberam ali pequenos lotes, formando uma estrutura fundiária baseada em pequenas propriedades rurais, em contraste com as colônias do sul, que em virtude seu clima tropical, foram exploradas na forma de plantations, ou seja, latifúndios, monocultores, exportadores, com utilização de mão-de-obra escrava, de forma semelhante ao que se verificou na maior parte do Brasil.

Após a independência, as ex-colônias no norte dos EUA vivenciaram um desenvolvimento econômico muito intenso, rapidamente diversificando sua economia e tornando-se lócus de significativa atividade industrial, beneficiando-se um amplo mercado interno, devido ao predomínio de pequenas propriedades familiares e da menor desigualdade social gerada por esta estrutura. Em virtude de sua vitória contra as colônias do sul na Guerra de Secessão, as colônias do norte impuseram seu modelo de colonização a praticamente todo o Oeste do país, para onde a colonização se expandiu ao longo do século XIX, fazendo da economia estadunidense, inicialmente, uma economia cuja produção agropecuária estava alicerçada em pequenas e médias propriedades rurais. Esse foi deveras um dos fatores que assegurou a continuidade do vertiginoso crescimento econômico e desenvolvimento industrial que vinham experimentando desde fins do século XVIII, cujo corolário foi a consolidação desse país como a maior potência mundial no início do século XX.

Outros países, entretanto, não tiveram a sorte de “nascer” (por assim dizer) com uma estrutura fundiária baseada em pequenas unidades, como o caso estadunidense, e, por tal razão, fizeram uso de amplas políticas de reforma agrária como forma de fomentar a disseminação e multiplicação de pequenas e médias propriedades rurais em substituição aos latifúndios, visando obter os benefícios que uma estrutura fundiária desconcentrada, com base em pequenas propriedades rurais, tende a trazer à economia; ampliação do mercado interno, redução das desigualdades sociais e diminuição do custo de vida das classes trabalhadoras.

Tais foram os casos de ex-colônias britânicas como a Austrália, e de países como o Japão, onde tais políticas foram implantadas durante a chamada Era Meiji, em fins do século XIX, e também durante a ocupação dos EUA no país, ao término da Segunda Guerra Mundial; e, pouco depois, também foi o caso dos tigres asiáticos, particularmente a Coreia do Sul e de Taiwan (ambos se espelhando no exemplo japonês), onde a implementação de uma Reforma Agrária foi um dos fatores imprescindíveis ao rápido desenvolvimento econômico e industrial após a Segunda Guerra Mundial.

Na Europa também não faltam exemplos de países que alcançaram ótimos índices de crescimento e desenvolvimento econômico e que também implantaram políticas de Reforma Agrária, como os casos da França e Itália o comprovam.

No Brasil, especificamente, a discussão em torno da Reforma Agrária começa a emergir justamente quando o país começa a se modernizar e industrializar, no início do século XX. Apesar do primeiro partido a defender a necessidade de realização de uma Reforma Agrária no Brasil ter sido o Partido Comunista, fundado em 1922, nos meios políticos formais e legais (já que o PC foi considerado ilegal durante a maior parte da história política do Brasil antes de 1985) o primeiro partido a levar essa discussão aos holofotes da política foi o PTB de Getúlio Vargas, em sua segunda passagem pela Presidência da República.

Durante o mandato democrático de Vargas (1951-1954), alguns de seus partidários defendiam a reforma agrária como parte de um projeto de desenvolvimento econômico e industrial nacionalista, se espelhando em exemplos como o do Japão, já mencionado. Os partidários de Vargas viam na Reforma Agrária um duplo potencial: inclusão social e crescimento econômico. Ao tirar milhares de camponeses sem terra (ou cujas terras eram demasiado reduzidas para lhes assegurar uma vida digna e algum poder de consumo) de condições de vida precárias e por vezes miseráveis, promover-se-ia simultaneamente a ampliação do mercado consumidor interno – convertendo-os em consumidores dos produtos da nascente indústria nacional, o que tenderia a estimular esta atividade e a alimentar um ciclo vicioso positivo em prol do crescimento e desenvolvimento econômico nacional – e uma maior inclusão social.

Com o suicídio de Vargas e todo o turbilhão de instabilidade política que acompanhou este contexto, seguido da eleição de Juscelino Kubitscheck, o PTB perde momentaneamente o protagonismo político de outrora, e o debate em torno da Reforma Agrária perde força nos meios políticos formais, apesar de continuar intenso na luta dos movimentos sociais, como as Ligas Camponesas, no Nordeste brasileiro.

O retorno desse tema aos holofotes políticos ocorreu com a chegada de João Goulart, ex-ministro de Vargas, à Presidência da República, em 1961. Durante seu governo, a Reforma Agrária vai ser alçada à condição de política norteadora do desenvolvimento nacional, como parte das chamadas Reformas de Base. Todavia, a deposição de Goulart pelo golpe militar de 1964 impediu a efetiva realização de uma Reforma Agrária.

Apesar de datar de 1964, no início da Ditadura Militar, o Estatuto da Terra, que é primeira lei a abordar em detalhes as premissas para a realização de uma Reforma Agrária no Brasil, permaneceu durante muito tempo como “letra morta”, uma vez que os sucessivos governos militares preferiram investir na colonização do Centro-Oeste e da região da Amazônia como forma de apaziguar os conflitos no campo e servir de alternativa aos camponeses sem terra do Brasil do que de fato pôr em prática o que previa o Estatuto da Terra no que tange à desapropriação de grandes imóveis improdutivos.

Todavia, a pressão por parte dos movimentos sociais do campo que renascem nos últimos anos da Ditadura Militar (as Ligas Camponeses haviam perseguidas e desmanteladas pelos governos militares), com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), resultou na Lei 8.629, de 1993, que permitiu a efetiva desapropriação de latifúndios improdutivos para fins de Reforma Agrária, o que ampliou significativamente a quantidade de assentamentos da reforma agrária implantados pelos Governos Federal e Estaduais desde então.

Todavia, apesar desses avanços, tais políticas foram e continuam a ser insuficientes para de fato alterar a estrutura fundiária brasileira e promover efetivamente a reparação de uma de suas injustiças históricas mais notórias: a concentração fundiária e falta de oportunidades para milhões de famílias camponesas.

Pode-se afirmar, sem receio, que as desapropriações de latifúndios para fins de Reforma Agrária no Brasil são antes uma punição aos empresários e fazendeiros que não atingem um mínimo de produtividade que de fato uma política de Estado visando inclusão social e correção de injustiças históricas, como será melhor explicado no próximo item.

5.1.6. Arcabouço legal sobre as Políticas de Reforma Agrária no Brasil

A desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária foi instituída no Brasil pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 20 de novembro de 1964), o qual condicionou a propriedade dos imóveis rurais ao cumprimento de sua função social, que é assegurada com base em diferentes aspectos: produtividade, respeito à legislação ambiental e trabalhista e favorecimento do bem estar dos proprietários e trabalhadores que nela atuam.

O Estatuto também estabelece, em seu Parágrafo 2º do Artigo 2º, que é obrigação do Estado Brasileiro “zelar para que a propriedade da terra cumpra sua função social” e “criar acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência das regiões onde habita”. Esses deveres do Estado assim estabelecidos constituem a base da política nacional de Reforma Agrária, cujo órgão executor é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a quem compete exercer essa fiscalização e proceder à desapropriação dos imóveis que não estejam cumprindo sua função social, os quais devem ser transformados em projetos de assentamentos para estabelecimento de famílias sem-terra ou que tenham propriedades menores do que lhes seria necessário ao seu sustento.

Não obstante a definição de função social da propriedade rural estabelecida no Estatuto da Terra contemplar fatores de natureza diversa além da produtividade (como legislação trabalhista e ambiental), este tem sido historicamente o principal argumento a embasar as ações de desapropriação, que muito raramente são concretizadas sem levar em conta o aspecto produtivo. As desapropriações por descumprimento da legislação ambiental, por exemplo, até hoje carecem de regulamentação para tornar-se efetiva (o que, no atual contexto, além de promover a inclusão social e desenvolvimento econômico, teria um papel de suma importância para garantir o cumprimento das leis ambientais do país).

Apesar do Estatuto da Terra, de 1964, ter instituído a desapropriação de grandes imóveis rurais por improdutividade para fins de Reforma Agrária, os procedimentos para as desapropriações por improdutividade foram estabelecidos apenas pela Lei 8.629/93, no Governo Itamar Franco, por conta da pressão exercida pelos movimentos sociais do campo, notadamente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

A Lei 8.639/93 determina que sejam avaliados o grau de utilização da terra (proporção entre a área aproveitável do imóvel rural e a área efetivamente utilizada para fins agropecuários, que tem que ser de no mínimo 80%) e o grau de eficiência da exploração (estabelecido com base no censo agropecuário de 1975, devendo-se atingir no mínimo 100% desse valor). Os imóveis cuja utilização e produtividade estejam abaixo desses indicadores são considerados improdutivos.

Todavia, segundo essa mesma lei, “são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra propriedade rural” (Artigo 4º, parágrafo único), o que faz com que a maior parte das desapropriações por esse viés sejam relativas aos imóveis considerados legalmente como “grandes” propriedades rurais (latifúndios).

Essa classificação legal do imóvel com base em suas dimensões, entretanto, não leva em consideração medidas absolutas, como a extensão total em hectares, por exemplo. A legislação, assumindo que há um grande contraste tanto das condições naturais quanto socioeconômicas do território brasileiro, estabeleceu que essa classificação seria feita com base no conceito de Módulo Rural, o qual seria a dimensão mínima de um imóvel rural para que ele, sendo “direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente com a ajuda de terceiros”.

A partir desse conceito de Módulo Rural, fixou-se uma medida para cada município brasileiro, denominada Módulo Fiscal, variando segundo esses mesmos critérios. E com base nela, a Lei 8.629/93 classifica os imóveis em minifúndio (propriedade com área inferior a um módulo); pequena propriedade (área entre 1 e 4 módulos); média propriedade (área entre 4 e 15 módulos); e grande propriedade (área com extensão acima de 15 módulos).

Desta maneira, as possibilidades de desapropriação de imóveis para fins de Reforma Agrária dependem, portanto, da forma como a estrutura fundiária e as diversas formas de utilização das terras de um determinado recorte espacial se relacionam com essa base jurídica.

Nas décadas de 1990 e 2000, em virtude da regulamentação das desapropriações por improdutividade e da pressão exercida pelos movimentos sociais do campo, ocorreu a criação de muitos projetos de assentamento em diversas partes do Brasil. A partir dos anos de 2010, entretanto, as circunstâncias conjunturais mudam (sobretudo em virtude do aumento do preço internacional das principais commodities agrícolas) e o ritmo de criação de novos projetos de assentamento decaiu de forma muito intensa.

A valorização das commodities agrícolas ocorrida ao longo da década de 2000 corroborou a ampliação dos investimentos do empresariado rural em novas técnicas e equipamentos produtivos, resultando em significativa ampliação da produtividade média dos imóveis rurais brasileiros.Todavia, os índices usados como parâmetro para cálculo da produtividade dos imóveis rurais não foram atualizados, e ainda se baseiam nos Censo Agropecuário de 1975, tornando-se altamente defasados, praticamente inviabilizando as desapropriações por improdutividade. Como as desapropriações por descumprimento da legislação ambiental ainda carecem de regulamentação para tornarem-se efetivas, o principal mecanismo para criação de novos assentamentos da reforma agrária tornou-se cada vez mais ineficaz.

Essa mesma ampliação dos preços das principais commodities agrícolas brasileiras também acarretou um aumento do preço médio das terras do país (em virtude da maior demanda por expansão desses cultivos/atividades), o que elevou os custos para desapropriação de imóveis improdutivos (que devem ser devidamente indenizados pelas benfeitorias e também pela terra em si, caso o proprietário tenha o título de domínio da área legalmente registrado). E, paralelamente a esse aumento dos custos para implantação de novos projetos de assentamentos, ocorreu uma progressiva diminuição dos recursos destinados a tais fins por parte do Governo Federal desde os anos de 2010, restringindo ainda mais as possibilidades de implantação de novos projetos de assentamento da reforma agrária no país.

Como reflexo desses e de outros fatores políticos (como a perda de força e capacidade de mobilização e pressão por parte da maior parte dos movimentos sociais do campo nas últimas décadas), as políticas de Reforma Agrária, que já vinham sendo efetivadas em doses homeopáticas e muito aquém do necessário a uma mudança efetiva da situação socioeconômica do país, praticamente se estagnaram a partir da década de 2010, sobretudo em sua metade final.

5.1.7. Agricultura e a questão ambiental no Brasil: a emergência de novos paradigmas

O progressivo aumento do desmatamento e destruição de enormes áreas de vegetação nativa dos biomas brasileiros é deveras um dos mais graves impactos ambientais decorrentes da forma com a produção agropecuária brasileira historicamente se expandiu.

Nos casos dos domínios do bioma da Mata Atlântica (onde se situa o território capixaba), que foi palco de algumas das atividades agropecuárias mais importantes da história do território brasileiro, a destruição chega a mais de 90% de sua área original. E atualmente, mesmo biomas como Cerrado e a Amazônia, que chegaram a meados do século XX com um grande percentual de sua árae original ainda preservada, vem sendo destruídos rapidamente, em um ímpeto sem precedentes. E a situação não é muito distinta na Caatinga, nos Pampas ou no Pantanal.

Cabe ressaltar a esse respeito que, além de serem o lar de muitos povos tradicionais e de diversas espécies endêmicas de animais que se encontram em risco de extinção, esses biomas tem um papel fundamental na regulação hídrica regional e – especialmente no caso da Amazônia – extra-regional, e, por tal razão, sua destruição, dentre outras coisas, intensifica os períodos de estiagens e suas consequências, que impactam fortemente a própria produção agropecuária.

Mas, além da intensificação do desmatamento, fato que historicamente foi inerente à expansão da agropecuária brasileira desde os primórdios da colonização portuguesa (e que por si só já algo extremamente grave), outras decorrências da Revolução Verde têm intensificado os impactos ambientais decorrentes das atividades agropecuárias, como são os casos do uso indiscriminado de pesticidas, adubos químicos e espécies transgênicas.

Os adubos químicos e, principalmente, os fungicidas, inseticidas e herbicidas usados para ampliar a produtividade de muitas lavouras causam fortíssima entropia nos ecossistemas. Mesmo se forem utilizados apenas uma uma determinada área (onde se encontra a lavoura), a atuação conjunta de ventos, águas da chuva e dos sistemas de irrigação tende a disseminar essas substâncias pelo solo, tanto superficialmente quanto verticalmente, até atingir até o próprio lençol freático, comprometendo a qualidade da água para consumo humano, animal e vegetal.

Além do comprometimento dos recursos hídricos, essas substâncias tendem a destruir a biota do solo, levando à progressiva perda de sua biodiversidade e, consequentemente, corroborando a perda de produtividade e intensificando assim os processos de arenização/desertificação, haja vista o papel de suma importância que insetos, fungos, bactérias e outras formas microscópicas de vida têm no processo de formação dos solos e na manutenção de suas características químicas, por meio da reposição de nutrientes decorrente de decomposição de matéria orgânica ou da assimilação do nitrogênio presente em substâncias como amônia (processos que dependem de tais organismos para ocorrer).

E além do impacto ambiental propriamente dito, tais fenômenos têm implicações sociais, tanto por conta dos danos à saúde humana decorrentes do uso dessas substâncias nas lavouras – tanto sobre a saúde de quem os aplica quanto daqueles que consomem os produtos em que foram utilizados (os quais estão associados a problemas de saúde diversos, desde câncer e falência hepática ou renal até problemas neurológicos/psicológicos, como transtornos de humor e perda de capacidade motora – quanto por conta dos custos de sua aquisição por parte dos agricultores, o que tem ampliado progressivamente os custos de produção da agricultura camponesa/familiar e intensificado as adversidades à sua reprodução social.

Agrotóxico é nova faceta da violência no campo BrasildeFato 27/09/2011 (apud OLIVEIRA, 2016). Joana Tavares O modelo não é novo: grandes extensões de terra, monocultura, mecanização do trabalho. O uso de agrotóxicos para garantir a produção em larga escala também não. Mas seus efeitos sobre a saúde têm estado cada vez mais em discussão. Desde 2009, o Brasil é o maior consumidor desses agroquímicos, o que mostra a cara do agronegócio: intoxicações, concentração de renda, transferência de recursos para empresas transnacionais, empobrecimento dos camponeses, produção de alimentos contaminados. A professora doutora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Mies Bombardi realizou uma pesquisa sobre os casos de intoxicações e mortes por agrotóxicos no Brasil, com dados de 1999 a 2009. Ela levantou que foram notificadas 25.350 tentativas de suicídio através do uso de agrotóxicos no período, e 1876 mortes foram registradas. “Uma grande parte dessas é suicídio, o que é mais assustador ainda. A escolha desse caminho é significativa, o trabalhador usa para causar sua própria morte o instrumento que o subordina, que o deixa doente, que pode levar ao endividamento”, aponta. Larissa considera a situação dos agrotóxicos mais uma faceta da violência no campo, que afeta a todos: os pequenos produtores, os trabalhadores expostos diretamente ao veneno, os consumidores de alimentos. Ela explica que há alternativas, mas que elas passam necessariamente por uma mudança de modelo.

A Revolução Verde progressivamente fomentou uma nova ortodoxia sobre a forma como supostamente se deve praticar a produção agropecuária, passando a demandar o uso desse pacote de insumos composto por adubos químicos/sintéticos, herbicidas, fungicidas, inseticidas e mesmo antibióticos.

O uso deste pacote ampliou, de fato, a produtividade agropecuária. Todavia, seu uso, na forma como vem ocorrendo, além de ainda estar muito distante de ser ambientalmente sustentável (como já discorrido acima), tem implicado em aumento do custo de produção aos agricultores, os quais nem sempre são compensados financeiramente pelo aumento de produtividade, haja vista a volatilidade inerente aos preços de gêneros agrícolas e – contraditoriamente – em função da própria tendência à queda de valor de mercado desses gêneros agrícolas (face aos próprios insumos, por exemplo) decorrente desse aumento generalizado da produção e oferta tais produtos que têm chegado até os atravessadores/compradores.

Tal fenômeno tem tido como implicação uma progressiva redução dos ganhos unitários com a produção, levando os agricultores a terem que gradativamente ampliar seu volume de produção para poder aferir os mesmos ganhos de outrora.

No que tange à produção de café, por exemplo (que é o principal e mais tradicional produto agropecuário de Nova Venécia e sua região), salvo os anos de preços excepcionalmente mais elevados por questões climáticas ou sanitárias, o valor real do preço da saca paga aos produtores (ou seja, o quanto esse valor pode pagar por bens e serviços no mercado) têm tendido a decair não apenas em relação aos bens serviços para satisfação direta das necessidades familiares, mas também – e sobretudo – em comparação aos custo para aquisição dos referidos insumos agropecuários (adubos e pesticidas) necessários ao reinicio e/ou à manutenção da produção.

Essa redução dos ganhos unitários com a venda das sacas de café tem tido que ser compensada, portanto, com a ampliação da produção. Todavia, as possibilidades de tal ampliação não são infinitas. Elas dependem de fatores diversos, como a capacidade de aquisição dos insumos necessários ao ganho de produtividade e à disponibilidade de terras para expansão do cultivo.

Como grande parte dos pequenos agricultores têm pouca disponibilidade de recursos iniciais para adquirir esses insumos e trabalham em propriedades de pequena extensão, com possibilidades limitadas de expansão das lavouras, esse processo têm se mostrado cada vez mais adverso à reprodução social da agricultura familiar/camponesa, corroborando a expansão da produção nos moldes do agronegócio – e o progressivo esvaziamento demográfico do campo, que lhe é inerente.

5.1.8 A Agroecologia: história, paradigmas e técnicas/ações

Não obstante as raízes da agroecologia remontem ao século XIX e início do século XX, é no contexto em que a técnicas e vieses da Revolução Verde se tornam hegemônicos, (na segunda metade do século XX, implicando agravamento da crise ambiental inerente ao desenvolvimento do capitalismo e em crescentes adversidades socioeconômicas aos agricultores familiares/camponeses, que o paradigma agroecológico emerge e ganha mais visibilidade dentro e fora do meio acadêmico.

Agroecologia
O termo agroecologia surge nos anos de 1930, formulado por ecólogos, para designar a ecologia aplicada à agricultura. Os estudos ecológicos, todavia, estavam à época mais concentrados nos sistemas naturais, ficando a cargo dos agrônomos as pesquisas aplicadas na esfera da agricultura.
Nos anos de 1950, com o amadurecimento do conceito de ecossistema, a ecologia agrícola ganha maior expressão e parcela dos agrônomos passam a internalizar em seus trabalhos os conteúdos da agroecologia.
Nos anos 1960 e 1970, ganham ímpeto as pesquisas sobre população e comunidades, quando as bases da ecologia crescem rapidamente. A partir dos estudos dos sistemas naturais de cultivo, estabelece-se a base conceitual e a metodologia de estudo da agrossistemas, que vêm a fundamentar na agroecologia o desenvolvimento do conceito de sustentabilidade na agricultura (Gliessman, 2000).
A ciência agroecológica fundamenta-se em um referencial teórico e analítico sistêmico, holístico, interdisciplinar, através do qual busca conhecer, pesquisar, identificar, validar e difundir princípios, orientações e alternativas que possibilitem se chegar a uma agricultura efetivamente sustentável, em dimensões produtivas, ecológicas, energética,social, cultural e econômica (Costa, 2003).
A agroecologia incorpora os conhecimentos aculmulados no campo da ecologia- assim como os saberes das populações tradicionais- em sua busca de saídas para os impactos causados pela agricultura contemporânea, na sua relação com o meio ambiente e com as dimensões produtivas, ecológicas, energéticas, econômicas, financeira, e sociocultural do sistema em foco.
COSTA, Manoel Baltasar Baptista da. Agroecologia no Brasil: história, princípios e práticas. São Paulo: Expressão popular, 2017.

Não é fácil conceituar o que seria a agroecologia (ver box com a história do termo e seus diferentes usos), mas podemos aqui esboçar uma definição. Pode-se dizer que o paradigma agroecológico visa uma produção com viés ecológico, por meio de métodos e técnicas alternativas aos valores e práticas disseminados pela Revolução Verde, buscando-os tanto a partir de saberes milenares de sociedades camponesas e povos tradicionais (que historicamente conseguiram conviver com a natureza sem gerar a elevada entropia nos sistemas naturais como a sociedade capitalista tem feito), como por meio de novos saberes científicos produzidos em interlocução com esses sujeitos sociais e seus saberes ancestrais, sob o prisma da ecologia.

A agroecologia parte, portanto, da premissa de que as técnicas e valores da Revolução Verde são ambientalmente insustentáveis, predatórios, e que, portanto, é preciso desenvolver métodos de produção agropecuária que não gerem tal grau de entropia aos ecossistemas onde são praticados, viabilizando assim o sustento humano com conservação dos biomas e do planeta. Trata-se, nas palavras do Geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, de buscar praticar a agropecuária com a natureza (como as sociedades camponesas e povos tradicionais têm feito por milênios), e não contra a natureza (como o tem feito a Revolução Verde).

Existem diferentes técnicas e paradigmas de produção agropecuária que podem, portanto, ser considerados agroecológicos, tais quais a agricultura biodinâmica, a agricultura orgânica, os sistemas agroflorestais e a permacultura, dentre outros. Todas – ou praticamente todas – essas diferentes vertentes têm em comum a busca por um maior equilíbrio dinâmico nos ecossistemas por meio do não-uso de insumos sintéticos/artificiais/industrializados, o que, simultaneamente, corrobora a preservação ambiental, a redução dos custos de produção aos agricultores e a saúde de todos os envolvidos na cadeia de produção-consumo agropecuário.

Correntes e Tendências Agroecológicas – alguns exemplos
Agricultura orgânica: Albert Howard é considerado o pai da agricultura orgânica, apesar do termo “agricultura orgânica” ter sido criado por Walter Northbourne e muito difundido pela cientista Eve Balfour, cuja etimologia remonta à premissa de que a unidade produtiva deve funcionar como um organismo vivo e que a construção do húmus do solo está diretamente conectada à saúde das plantas, animais e seres humanos. A partir de seu aprendizado com agricultores indianos, esse cientista britânico foi um dos pioneiros em discordar e criticar as ideias de Justus von Liebig, cientista alemão pioneiro no desenvolvimento de técnicas de uso de insumos sintéticos para ampliar a fertilidade do solo (as quais inauguraram o amplo mercado de fertilizantes industriais), denunciando seus efeitos altamente nocivos à biota do solo, levando à progressiva destruição da camada de húmus. Trata-se, portanto, de técnicas diversas que visam garantir a fertilidade do solo e o controle de pragas na unidade produtiva sem uso de materiais sintéticos.
Agricultura Biodinâmica: as bases da agricultura biodinâmica remontam às ideias do cientista Austro-Húngaro Rudolf Steiner, divulgadas a partir de um congresso realizado na Polônia em 1924. Tomando a propriedade agrícola como como um organismo (em que estão imbricados todos os componentes: solo, vegetação, animais, recursos naturais e seres humanos) e entendo que a saúde desse organismo demanda uma fertilidade permanente do solo e que essa fertilidade tem relação direta com a biodinâmica do solo, ou seja, com a capacidade de síntese de nutrientes efetuada pelos organismos vivos que o compõem, a agricultura biodinâmica busca fomentar/corroborar esse caráter biodinâmico catalisando a produção de húmus e a reposição de nutrientes por meio de preparados caseiros a base de substâncias orgânicas e/ou minerais diluídas (semelhante à homeopatia), ampliando assim a capacidade de síntese de nutrientes por parte da biota do solo, seja “por mobilização, transmutação ou transubstanciação do mineral morto, ou ainda, por harmonização e adequação na reciclagem das sobras de biomassa produzida”. Na agricultura biodinâmica, portanto, adubar significa “aviventar ou vivificar o solo”, estimular a atividade biológica dos organismos responsáveis por sua fertilidade.
Sistemas Agroflorestais – Denomina-se por sistemas agroflorestais as formas de uso da terra que combinam o cultivo de espécies vegetais e/ou a criação de animais com espécies florestais, buscando, em certo sentido, cultivar essas espécies vegetais ou criações animais em condições semelhantes ao seu habitat natural (no que diz respeito à necessidade de nutrientes, água, solo, luz etc.) de forma a reduzir ou mesmo eliminar a demanda de insumos externos. Trata-se de “imitar” a natureza como técnica produtiva, preservando os ecossistemas já existentes ou recuperando a cobertura florestal já destruída/impactada. Além de diminuir a demanda externa de insumos, essa técnica corrobora, portanto, a manutenção da biodiversidade e o equilíbrio hídrico local/regional.
Permacultura – A palavra permacultura foi criada no início dos anos de 1970 pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren. A palavra remete a uma “agricultura permanente” no sentido de ser ambientalmente e socialmente sustentável, podendo atravessar gerações sem comprometer o equilíbrio ecológico e com justiça social. Para além de outros princípios, a permacultura propõe o uso de práticas e técnicas ancestrais de povos tradicionais como soluções para se alcançar essa sustentabilidade por meio do “planejamento, implantação e manutenção consciente de ecossistemas produtivos que tenham a diversidade, a estabilidade e a resistência dos ecossistemas naturais”. Trata-se de aprender com a natureza para “imitá-la” de forma a simultaneamente produzir alimentos e garantir equilíbrio ecológico e justiça social.
DIAS, Alexandre Pessoal et al. Dicionário de Agroecologia e Educação. São Paulo: Expressão Popular, 2021.

Os princípios e práticas agroecológicas, entretanto, não se referem apenas às técnicas de produção agropecuária propriamente ditas. Eles englobam também – como não poderia deixar de ser – as relações sociais de produção e, sobretudo, o consumo dessa produção, dimensão da qual nenhum dos outros aspectos pode ser dissociado.

A produção na forma de amplos monocultivos, por exemplo, favorece sobremaneira o desenvolvimento e proliferação de pragas e o esgotamento dos solos, corroborando o elevado consumo do pacote de insumos químicos que a ortodoxia das técnicas atuais julga imprescindível (como pesticidas e adubos sintéticos). Sob o prisma ecológico, os monocultivos são inerentemente insustentáveis, reforçando a ampliação do consumo desses produtos que causam, além do esgotamento dos solos, a destruição da biodiversidade e poluição das águas e da terra.

A redução do uso de tais insumo demanda, portanto, um caráter mais policultor das práticas agrícolas e cultivos melhor adaptados às condições locais/regionais de produção e à sazonalidade inerente à natureza de cada parte do planeta. Todavia, para além da lógica industrial – que busca a redução de custos pela ampliação da escala da produção -, a cultura da globalização tem conduzido o consumo a caminhar no sentido de reforçar o caráter monocultural da produção agropecuária, já que há uma redução da diversidade de alimentos que compõem o cardápio diário da população, induzindo a ampliação do consumo de alguns poucos gêneros, induzindo sua produção mesmo fora da estação, o que corrobora a ampliação da artificialidade envolvida no processo produtivo e o uso de técnicas ambientalmente insustentáveis.

A crise ambiental em que nos encontramos criou deveras condições propícias para a expansão da agroecologia. Todavia, a força política de todo o complexo de agentes ligados ao setor agropecuário-empresarial tende a atuar no sentido inverso, limitando/restringindo os avanços agroecológicos, das mais diversas formas.

Nesse embate, o papel dos consumidores em potencial da produção agropecuária – ou seja, todos nós – é de suma importância para levar o Estado e as empresas do setor a fomentar/incorporar esses princípios agroecológicos, o que de fato tem ocorrido a despeito das adversidades mencionadas.

VALOR DE MERCADO DOS PRODUTOS ORGÂNICOS
Produtos Produto convencional (Valor médio de mercado) Produto orgânicos (Ver fonte abaixo)
Café 250g R$9,98 R$30,60
Ovo caipira (20 unidades) R$19,99 R$44,52
Leite Integral 1L R$ 6,99 R$15,90
Queijo Minas 500g R$ 35,00 R$53,90
Filé de peito de frango 600g R$ 8,99 R$43,90
Fraldinha 1,400 kg R$46,50 R$166,90
Feijão Vermelho 500g R$7,98 R$29,90
Pão Integral R$7,00 R$22,90
BRASIL, Mercado Orgânico. Mercado de orgânicos. São Paulo: Companhia Digital Ltda, 2017. Disponível em: <https://mercadoorganico.com/ >. Acesso em: 13 set. 2023.

As práticas agroecológicas, portanto, além de ambientalmente mais sustentáveis, se mostram mais favoráveis à reprodução da agricultura familiar/camponesa, criando possibilidades de uma vida mais saudável e economicamente mais estável, seja em função da redução dos custos de produção referentes aos insumos artificiais ou do aumento do valor agregado dos produtos agroecológicos.

5.2. O ESPAÇO AGRÁRIO CAPIXABA

Em comparação ao território brasileiro (quando tomado como um todo), a estrutura fundiária do território capixaba apresenta um grau de concentração fundiária bem menor que a média do território nacional, como pode ser constatado na Tabela 1. Isso não significa, entretanto, que a concentração da propriedade da terra seja irrelevante no Espírito Santo, pois se em termos relativos (comparativamente ao Brasil como um todo) o quadro capixaba não é tão grave, em termos absolutos ele não pode ser negligenciado, uma vez que menos de 0,5% dos imóveis ocupam mais de 27% da área agropecuária total do Estado (ver tabela a seguir).

ESTRUTURA FUNDIÁRIA CAPIXABA – CENSO DE 2017
Grupos de Tamanho dos imóveis Número de Imóveis Percentual ocupado da área agropecuária total do Estado
menos de 100 hectares 102.551 47,00%
Mais de 100 a menos de 500 hectares 4.227 25,44%
Mais de 500 hectares 608 27,55%

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 2017.

Essa peculiaridade capixaba (o predomínio de pequenas propriedades rurais) deve-se a algumas idiossincrasias de sua história, sobretudo ao fato da efetiva colonização da maior parte do seu território ter ocorrido apenas no contexto de expansão da cafeicultura, que ganha ímpeto nas terras capixabas entre a segunda metade do século XIX e início do século XX.

Anteriormente à ascensão do café, a participação capixaba na economia nacional era muito pouco expressiva e a colonização restringia-se às áreas litorâneas, onde estavam situadas as poucas fazendas de cana-de-açúcar da capitania e os aldeamentos jesuítas, que eram os verdadeiros protagonistas da economia colonial capixaba.

Desde o início da colonização brasileira, no século XVI (anos de 1500), até meados do século XIX (anos de 1800), praticamente toda o interior da capitania permaneceu como território de muitos povos indígenas e/ou dos quilombos que se formavam a partir da fuga e resistência de pessoas que haviam sido escravizadas nas fazendas do litoral.

Por tal razão, os Governos Imperial e Provincial adotaram para com a província capixaba o mesmo tipo de política migratória adotada no sul do Brasil. No Espírito Santo, tal qual no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e partes do Paraná, a prioridade não era atrair o imigrante para substituir a mão-de-obra escrava das plantations, já que a presença de latifúndios escravocratas era pequena e sua produção tinha pouca expressividade no cenário nacional. A prioridade era promover a efetiva colonização dessas áreas, utilizando esses fluxos migratórios para fazer as fronteiras agrícolas avançarem sobre as grandes áreas de mata virgem que ainda constituíam territórios indígenas (e, em alguns casos, quilombolas).

Desta forma, para tornar tais localidades do país atrativas a esses imigrantes (visto serem, em geral, bem remotas, distantes dos grandes centros urbanos e das regiões economicamente mais dinâmicas do Brasil), o Império e as Províncias implantaram políticas de concessão ou venda de terras a preços subsidiados e/ou com condições de pagamento facilitadas, por meio dos núcleos de colonização fundados nessas áreas.

No Espírito Santo, especificamente, tais projetos iniciaram-se em fins da década de 184010 na Região Central-Serrana, ainda durante a vigência do regime de escravidão. Nesse mesmo contexto, a expansão da cafeicultura levou a uma disseminação de plantations cafeicultoras no sul capixaba, na região de Cachoeiro de Itapemirim, entre os Vales do Itabapoana e do Itapemirim, que tornou-se assim a região economicamente mais dinâmica da província nesse contexto histórico. Nos arredores da capital Vitória e no norte da província, entretanto, não tinha havido até então uma expansão tão significativa das fronteiras agrícolas.

A região Central-Serrana, por tais razões, foi o local de implantação desses primeiros núcleos coloniais. E foi por meio da criação desses núcleos que a colonização e as fronteiras agrícolas de fato se expandiram nesta região ao longo da segunda metade do século XIX, com base em pequenas propriedades rurais cafeicultoras.

Posteriormente, com a Abolição da Escravidãoem 1888, muitas plantations escravocratas de outrora entraram em crise e acabaram sendo vendidas na forma de pequenos lotes, o que praticamente generalizou o predomínio de pequenas propriedades cafeicultoras por todo o Espírito Santo, incluindo áreas onde outrora havia o predomínio de latifúndios, como o sul da província, na região de Cachoeiro de Itapemirim.

Por conta das singularidades da cafeicultura, ela historicamente foi uma atividade típica de pequenos e médios imóveis rurais, que se adaptou bem à lógica da agricultura familiar ou camponesa. E ela foi a atividade econômica mais importante ao longo do processo de expansão das fronteiras agrícolas capixabas até as décadas de 1930 e 1940, quando outras atividades econômicas – como a extração de madeira e a pecuária bovina – passam a se destacar cada vez mais nas novas áreas recém-colonizadas.

Além disso, as décadas de 1950 e 1960 marcam uma maior integração territorial do Espírito Santo em função da expansão de sua malha rodoviária, o que intensificou os intercâmbios comerciais entre suas diversas regiões e corroborou a configuração de uma nova divisão territorial do trabalho. Algumas regiões mantiveram e até acentuaram sua atuação no setor cafeicultor, enquanto outras inseriram-se em novas atividades.

Por tal razão, o território capixaba também apresenta profundos contrastes internos. De fato, em sua maior parte, ainda há o predomínio de pequenos e médios imóveis rurais. Mas há algumas porções do Espírito Santo nas quais os imóveis de maior extensão estão mais amplamente presentes, como ocorre em seus extremos sul e na faixa que se estende pelo seu extremo norte e por praticamente todo o litoral ao norte da capital Vitória (ver mapa a seguir).

Tais características estão estreitamente relacionadas às peculiaridades de seu histórico de colonização e ao papel que cada porção de seu território veio a assumir na Divisão Territorial do Trabalho da produção agropecuária que se configurou nas últimas décadas.

As áreas onde as pequenas propriedades estão mais presentes (no que diz respeito ao total da área agropecuária municipal ocupada por elas) são, primeiramente, aquelas que atuam no abastecimento direto dos centros urbanos (sobretudo por intermédio do Ceasa), seguida daquelas que se especializaram na cafeicultura, tanto na região da Serra do Caparaó (sudoeste do Estado, na divisa com a Zona da Mata Mineira), onde o plantio do café arábica é a atividade predominante, quanto no centro-norte, altamente especializado na produção do café conilon.

As áreas onde predominam os grandes imóveis também apresentam diferenças no papel produtivo. Os extremos sul e norte do Estado têm a pecuária como carro chefe da economia agropecuária, apresentando os maiores percentuais de área ocupados por pastagens. Todavia, no sul há o predomínio da pecuária voltada à obtenção de leite enquanto no norte, por mais que a produção de leite tenha aumentado nas últimas décadas, a criação de bovinos exclusivamente para corte ainda é muito expressiva e predominante.

Os municípios ao longo da costa, por sua vez, têm apresentado uma contínua redução das áreas de pastagens e grande inserção nas atividades típicas do que se convencionou chamar de agronegócio, levadas à cabo nos moldes da Revolução Verde, com ampla utilização de maquinário para automação da produção, sendo os cultivos mais recorrentes a produção de cana-de-açúcar para obtenção de etanol (tanto no litoral sul como no norte), a silvicultura voltada à obtenção de celulose (essa mais amplamente presente no norte) e, em menor intensidade, alguns segmentos da fruticultura, tais como a produção de abacaxi no litoral sul e a de mamão no norte.

Tem se verificado nos últimos anos uma contínua expansão das áreas especializadas nesses cultivos a partir do litoral norte em direção à porção continental do extremo norte capixaba, em substituição a áreas de pastagens, o que é uma das explicações para essas áreas terem sido recentemente aquelas que apresentaram maior aumento de preço médio do hectare de terra nua (INFORMA ECONOMIC, 2012).

Trata-se de áreas de predomínio da formação geomorfológica de tabuleiros costeiros, que por apresentar um relevo de declividades suaves (são áreas dos domínios dos tabuleiros costeiros e de planícies litorâneas), com muitas áreas planas, se mostra propício à produção nos moldes da Revolução Verde, com ampla utilização de maquinário de grande porte.

Fonte: BERNARDO NETO (2012).

Essas diferentes especializações produtivas regionais que se configuraram ao longo das últimas décadas têm tido efeitos bastante discrepantes no que tange à dinâmica populacional do meio rural capixaba (ver mapa acima), sendo notória a tendência ao esvaziamento demográfico do campo nas áreas onde predominam os grandes imóveis rurais, sobretudo onde a atividade predominante é a pecuária (sendo particularmente mais grave na porção noroeste do Estado, onde a criação é mais voltada para o corte, o que além propiciar rendimentos por unidade de área bem inferiores a praticamente qualquer lavoura e bem inferiores a própria pecuária leiteira, demandam ainda menos mão-de-obra que essa última atividade).

Já nas áreas de predomínio dos pequenos imóveis tem-se verificado maior permanência da população do meio rural. Nas regiões de predomínio da cafeicultura, esse esvaziamento demográfico foi bem menor que o verificado nas áreas onde os latifúndios são proeminentes, e na região central-serrana, especializada em suprir o abastecimento alimentício dos centros urbanos capixabas, têm-se verificado até mesmo o aumento das densidades demográficas na zona rural em alguns municípios nas últimas décadas.


Atividade
Utilização das Terras Agropecuárias do Espírito Santo
Área Absoluta (em hectares) Área Relativa
Produção de lavouras temporárias 171.794 5,29%
Horticultura e floricultura 82.382 2,54%
Produção de lavouras permanentes 1.232.355 37,96%
Produção de sementes e mudas certificadas 1.598 0,05%
Pecuária e criação de outros animais 1.434.327 44,18%
Produção florestal – florestas plantadas 318.842 9,82%
Produção florestal – florestas nativas 1.520 0,047%
Pesca 39 0,001%
Aquicultura 3.907 0,12%

Fonte: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/6754#resultado

Atualmente, o Espírito Santo conta com uma expressiva produção voltada ao mercado interno/local de gêneros alimentícios diversos, sobretudo em sua região Central-Serrana, que abastece não apenas o próprio Estado, mas também áreas limítrofes de Estados vizinhos, como leste de Minas Gerais e sul da Bahia. Mas, a despeito desse fato, a pecuária bovinas e as lavouras de café são, de longe, as atividades que ocupam a maior parte das terras agropecuárias do Estado do Espírito Santo, com destaque também para a silvicultura (plantio de eucaliptos e espécies similares) – ver tabela.

5.2.1. A Reforma Agrária no Espírito Santo – histórico, possibilidades e limitações

A década de 1970 marca um ressurgimento de mobilizações sociais no campo capixaba (que, tal qual ocorreu no restante do Brasil, foi coibida pela repressão dos governos da Ditadura Civil-Militar). Esse ressurgimento dos movimentos sociais no campo capixaba deve-se, em grande medida, à influência da uma ala mais progressista da Igreja Católica, influenciada pela Teologia da Libertação11, que teve, dentre seus mais importantes expoentes teóricos, alguns eclesiásticos brasileiros, como Dom Helder Câmara e Leonardo Boff, e estrangeiros radicados no país (como Dom Pedro Casaldáliga)..

Foi dessa ala da Igreja que surgiram as Comunidades Eclesiais de Base e a Comissão Pastoral da Terra, as quais vão ter importante papel nas lutas camponesas no Espírito Santo a partir de então, resultando na emergência de oposições sindicais, que cobravam dessas unidades representativas maior participação na defesa da Reforma Agrária e de políticas favoráveis aos pequenos agricultores.

Na prática, isso significava sustentar propostas que andavam na contramão das ideias desenvolvimentistas da Ditadura Militar, que em seus Planos Nacionais de Desenvolvimento (os PND’s, como ficaram mais conhecidos) privilegiavam a expansão da agroindústria em detrimento da agricultura camponesa, o que no Espírito Santo se materializou sobretudo no vertiginoso crescimento das áreas dedicadas a Silvicultura e à pecuária de corte, envolvendo a usurpação das terras de muitas famílias camponesas, sobretudo aquelas remanescentes de quilombos e indígenas.

Foi sob mobilização dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e do apoio de partes da Igreja CAtólica (sobretudo por meio das Comunidades Eclesiais de Base e da Comissão Pastoral da Terra – CPT) na primeira metade dos anos 80, que os camponeses sem-terra do Espírito Santo conseguiram a criação dos primeiros projetos de assentamento da Reforma Agrária no Espírito Santo, os quais foram implantados pelo Governo Estadual a partir de negociações com essas entidades. Mas, em geral, esses assentamentos tinham pequena extensão e atendiam a um pequeno percentual do número de famílias em busca da terra.

Foi a partir de 1985, com a consolidação de uma direção estadual do MST, que a luta pela reforma agrária assumiu uma nova forma. Constatando o pouco resultado obtido pela pressão via abaixo assinados e diálogos com o Governo Estadual, o nascente Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra adotou as ocupações como estratégia de luta, exigindo a desapropriação de grandes imóveis para fins de reforma agrária.

A partir de então surgiram vários outros projetos de assentamentos, agora também implantados pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) mediante desapropriação por descumprimento da função social da terra, estabelecida no Estatuto da Terra.

Entre 1985 e 2005, o MST promoveu a ocupação de cerca de 60 grandes propriedades rurais no Espírito Santo, cuja maioria esmagadora se situava no extremo norte de seu território. Posteriormente, a própria Fetaes (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Espírito Santo, que funciona como uma federação dos diversos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Estado) também passou a utilizar as ocupações como estratégia para pressionar pela reforma agrária.

Esse recrudescimento da mobilização dos movimentos sociais em prol da reforma agrária e de políticas públicas voltadas aos pequenos agricultores não tardou em resultar na fundação de uma entidade de representação dos interesses dos grandes proprietários rurais, que tinha entre outras finalidades o intuito de tentar reprimir mediante violência (tanto por força policial, utilizando a seu favor o aparato estatal, quanto por meio de jagunços contratados para tal) as ocupações que passaram a ser promovidas pelo MST e posteriormente pela própria Fetates.

Esses litígios resultaram no assassinato de muitas lideranças dos movimentos camponeses. Segundo dados do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (transcritos por A.Souza Et Alli [2005, p.110]), apenas entre 1989 e 1990 foram cinco execuções, todas “não elucidadas” pela justiça e cujos respectivos autores, consequentemente, ficaram impunes.

Cerca de trinta anos após o início desse processo de renascimento da luta camponesa no Espírito Santo, a mobilização e pressão dos movimentos sociais resultou na criação de dezenas de projetos de assentamento da reforma agrária, a maior parte dos quais efetivados pelo Governo Federal após a regulamentação das desapropriações por improdutividade (Lei 8.639/93).

A partir da distribuição espacial dos projetos de assentamento implantados no território capixaba (ver mapa a seguir), constata-se claramente a existência um condicionante geográfico em sua localização, tendo em vista que estão concentrados no extremo norte do Espírito Santo e, em menor escala, também no extremo sul, que são exatamente as áreas com maior incidência de grandes imóveis rurais e com grandes áreas ocupadas por pastagens para a prática da pecuária extensiva.

A explicação de tal fenômeno reside nos dispositivos legais que regem o processo de desapropriação por descumprimento da função social da terra. Pelos critérios de produtividade atuais altamente defasados, estabelecidos com base no Censo Agropecuário de 1975, o único tipo de imóvel com reais possibilidades de desapropriação é aquele praticante de uma pecuária ultra-extensiva, geralmente como forma de camuflar a utilização da terra como reserva de valor.

Por isso, quando sobrepomos a distribuição espacial dos projetos de assentamentos existentes no Espírito Santo ao mapa da Divisão Territorial do Trabalho em seu espaço agrário, percebemos que a maioria esmagadora dos assentamentos está situada nos municípios que apresentam maior área dedicada a pecuária extensiva, o que explica também o porquê do número significativo de assentamentos no extremo sul do Estado, já que apesar de sua estrutura fundiária não ser tão concentrada como o verificado no norte capixaba, o extremo sul também têm a pecuária extensiva como carro chefe de sua economia agropecuária.

Assim, apesar dos municípios do litoral norte apresentarem maior número de imóveis com extensão superior a 15 módulos rurais, a crescente e contínua inserção dos imóveis dessa porção do Espírito Santo em linhas produtivas com grande composição orgânica do capital (uso de maquinários e equipamentos modernos, os quais demandam alto investimento) e alto grau de produtividade nos plantios de eucalipto, cana-de-açúcar e alguns segmentos da fruticultura, tendem a se tornar cada vez mais remotas as possibilidades reais de desapropriação para fins de reforma agrária nesses municípios, as quais em geral se restringiriam a imóveis rurais que residualmente não tenham se inserido nesses ramos produtivos.

5.3. O ESPAÇO AGRÁRIO DE NOVA VENÉCIA

Assim como ocorre na maior parte do Espírito Santo, o espaço agrário de Nova Venécia é ocupado majoritariamente por pequenas propriedades rurais (ver tabela a seguir).

ESTRUTURA FUNDIÁRIA DE NOVA VENÉCIA – CENSO DE 2017
Grupos de Tamanho dos imóveis Número de Imóveis Percentual ocupado da área agropecuária total do Estado
menos de 100 hectares 2930 57,8 %
Mais de 100 a menos de 500 hectares 145 34,16 %
Mais de 500 hectares 15 8,04 %

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário de 2017.

As grandes propriedades rurais do município ocupam um percentual relativamente pequeno da área agropecuária total de Nova Venécia (pouco mais de 7% do total). Essas grandes propriedades geralmente se situam nas áreas de domínios dos tabuleiros costeiros, que são predominantes ao norte do município, sobretudo nas áreas limítrofes aos municípios de Ecoporanga, Ponto Belo e Boa Esperança, e dedicam-se principalmente à pecuária bovina (sobretudo para corte) e silvicultura, embora também verifique-se um progressivo crescimento das lavouras de café e pimenta nesses imóveis de maior dimensão.

Fotografia do trecho norte de Novas Venécia (nas proximidades do Assentamento Gaviãozinho) situado no domínio dos tabuleiros costeiros. Observa-se uma extensa pastagem para gado e ao fundo a monocultura de eucalipto.

Na primeira fotografia (à direita) observa-se uma lavoura de café em Travessia, já na segunda imagem uma extensa pastagem para gado em Guarabu.

No restante do território veneciano, sobretudo nos domínios dos Patamares com Afloramentos Rochosos (que são áreas com relevo acidentado e declividades mais acentuadas) há uma prevalência de pequenas e médias propriedades rurais dedicadas sobretudo à produção de café conilon, pimenta do reino e pecuária leiteira, e também, em menor escala, a culturas como cacau, banana e algumas lavouras “brancas” (feijão, mandioca e milho).


Atividade
Utilização das Terras Agropecuárias de Nova Venécia
Área Absoluta (em hectares) Área Relativa
Produção de lavouras temporárias 1664 1,97%
Horticultura e floricultura 245 0,29%
Produção de lavouras permanentes 46637 55,24%
Pecuária e criação de outros animais 35722 42,31%
Produção florestal – florestas plantadas 164 0,19/%

Fonte: SIDRA, 2023. Disponível: < https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/6878#resultado >


PRINCIPAIS LAVOURAS DE NOVA VENÉCIA
ÁREA OCUPADA (EM HECTARES)
PRINCIPAIS LAVOURAS PERMANENTES
BANANA 76
CACAU 71
CAFÉ 45309
PIMENTA DO REINO 908
COCO-DA-BAÌA 61
PRINCIPAIS LAVOURAS TEMPORÁRIAS
CANA-DE-AÇÚCAR 1072
FEIJÃO 83
MANDIOCA 90
MILHO 153

FONTE: SIDRA, 2023 (tabelas 6956 e 6957)

Fotografias das localidades de Alto Muniz (acima) e nos arredores de Cristalina (abaixo), ambas situadas nos domínios dos Patamares com Afloramentos Rochosos, locais em que há o predomínio de pequenas propriedades rurais e o café e a pimenta são os carros chefes da economia agropecuária.

Não obstante o grande desenvolvimento de atividades urbanas do município vivenciado nas últimas décadas, as atividades agropecuárias – notadamente as atividades praticadas em pequenas propriedades rurais – ainda respondem pela maior parte dos postos de trabalho em Nova Venécia. Segundo dados do CNAE e do Censo Agropecuário do IBGE, em 2017 havia mais de 10.600 pessoas empregadas no setor agropecuário do município (das quais cerca de 70% atuam em estabelecimentos da agricultura familiar/camponesa), ao passo que o conjunto das atividades urbanas (indústria, comércio e o setor de serviços) empregavam cerca de 8.500 trabalhadores.

O fato de uma parte significativa dessas atividade urbanas ter relação direta com a produção campo (empresas de beneficiamento de produtos como leite, café e pimenta, casas de venda produtos veterinários e agrícolas, empresas que provêm assistência técnica a produtores rurais etc.) corrobora que a agropecuária seja a principal matriz da geração de emprego e renda no município, com grande relevância não apenas sobre a situação socioeconômica do campo propriamente dito, mas também – ainda que indiretamente – sobre a cidade e as atividades urbanas.

Apesar do predomínio de pequenas propriedades rurais, historicamente Nova Venécia também teve (e ainda tem) imóveis rurais de maiores dimensões em sua estrutura fundiária, como os dados dos Censo Agropecuários deixam evidente. E embora nas últimas décadas esses imóveis de grandes dimensões tenham diversificado mais sua produção – com destaque para o crescimento da silvicultura e o progressivo aumento das áreas de lavouras de café e pimenta – , historicamente a pecuária de corte foi sua principal atividade e, nos anos de 1980, 1990 e 2000, havia muitos desses latifúndios pecuaristas com baixa produtividade no município.

Nesse contexto, em função das lutas dos movimentos sociais no Brasil e no Espírito Santo, entre os anos de 1980 – e, principalmente -, 1990 e 2000, ocorre a criação de muitos projetos de assentamento da reforma agrária em Nova Venécia, alguns em áreas devolutas do Estado ou da União, mas em sua maioria por meio da desapropriado por improdutividade, conforme regulamentado na Lei 8.629/93 e sob a pressão (mediante ocupação) de movimentos sociais como o MST e a FETAES.

De fato, Nova Venécia situa-se muito próximo ao epicentro desse renascimento das lutas camponesas no Espírito Santo, que ocorre nos arredores de Nestor Gomes (distrito de São Mateus), próximos ao limite municipal entre o território mateense e o território veneciano. Esse fato, somado às características históricas das grandes propriedades da região, explica em grande medida a razão pela qual Nova Venécia é o município capixaba com maior número de projetos de assentamento da Reforma Agrária.

Organizado por: Gregory Pavliuki, 2023.

ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA – NOVA VENÉCIA E ÁREAS LIMÍTROFES
ASSENTAMENTOS FAMÍLIA ÁREA(ha) PORT. DATA M. SOCIAL
PA PIP-NUCK 50 676,5970 746 06/18/1987 MST
PA GAVIÃOZINHO 25 440,1900 38 07/11/1991 MST
PE CÓRREGO ALEGRE 18 173,0000 12/12/1988 MST
PE 13 DE MAIO 45 501,1300 05/15/1989 MST
PE TRÊS PONTÕES 20 207,2000 07/9/1988 MST
PA CELESTINA 31 314,4277 31 12/26/1997 MST
PA CÓRREGO DO AUGUSTO 25 324,3500 01 01/5/2001 FETAES
PA RODEIO 35 310,5224 03 03/25/2002 FETAES
PA TRAVESSIA 21 287,3398 13 08/6/2003 FETAES
PA CARLOS LAMARCA 26 380,1224 03 02/21/2011 MST
PA ZUMBI DOS PALMARES 151 1386,6481 13/12/1999 MST
PE 22 DE JULHO 12
131,6300
19/09/1991 MST
PE VALE DO OURO 30 357,6200 22/12/1989 MST

Fonte: INCRA, Vila Velha, 2012. Disponível em: <https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/reforma-agraria/assentamentos-relacao-de-projetos>

Ao todo, existem 9 (nove) projetos de assentamento da reforma agrária situados inteiramente no território veneciano e 3 (três) parcialmente situados dentro de seus limites, em áreas fronteiriças aos municípios de São Gabriel da Palha e São Mateus. A presença desses projetos, portanto, corrobora a prevalência de pequenas propriedades rurais e da agricultura camponesa/familiar no município, a qual, como já mencionado, é a principal geradora direta de emprego e renda nas áreas rurais do município e, indiretamente, também é a matriz de boa parte dos empregos e dos negócios/empreendimentos urbanos.

Reforma Agrária e sua potencialidade para a inclusão social e geração de renda e emprego – Um estudo de caso sobre o Assentamento Zumbi dos Palmares.

O Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares, localizado no município de São Mateus, em área praticamente limítrofe ao município de Nova Venécia, é um excelente exemplo da potencialidade da reforma agrária para ampliação da geração de emprego e renda no campo.
O referido projeto de assentamento foi criado a partir da desapropriação de um imóvel de cerca de 1.424 (mil quatrocentos e vente e quatro) hectares de extensão, o qual o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) constatou ser improdutivo e, portanto, foi enquadrado no que estabelece a lei 8629/93 e teve seu processo desapropriatório concluído em 1999, com seu antigo proprietário devidamente indenizado como prevê a legislação.
Apesar de originalmente ter assentado 115 famílias, existiam à época da pesquisa, em 2021, cerca 236 residências dentro da área do assentamento. Decorridos 23 anos desde sua criação, era de fato esperado que o número atual de famílias residentes fossem superior ao quantitativo originalmente assentado, haja vista o próprio processo de reprodução social dessas famílias.
Conforme laudo de vistoria do INCRA, datado de 1999, a fazenda Rio Preto (imóvel que foi desapropriado para a criação do projeto de assentamento) era bastante improdutiva, razão pela qual veio a ser desapropriada. Em uma extensão de mais de 1,4 mil hectares, a fazenda possuía apenas cerca de 8 hectares plantados com café e cerca de 40 hectares com seringueiras, os quais, entretanto, não tiveram produção naquele ano. Havia, em todo o restante da área, cerca de 350 animais, entre bovinos e equinos, e a fazenda gerava apenas dois empregos diretos (os dois caseiros do local, que residiam ali com suas famílias).
Em pesquisa realizada entre no ano de 2021, executada pelo IFES-NV em parceria com a EMEIEF (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Zumbi dos Palmares, com financiamento da FAPES, foram visitadas cerca de 215 residências, onde viviam cerca de 680 pessoas.
A pesquisa constatou uma significativa produção comercial de café, pimenta, látex e de alguns outros cultivos, como frutas, tais quais banana, acerola, pitaias e manga, como se constata nas tabelas a seguir. E além das lavouras comerciais, os dados coletados pela pesquisa evidenciam que a produção para autoconsumo tem papel importante na vida das famílias do assentamento, aumentando seu poder de consumo e garantindo segurança alimentar.
Os dados coletados, portanto, não deixam dúvidas quanto ao exponencial aumento do volume da produção e da geração de empregos nessas terras a partir do momento em que elas foram desapropriadas para a criação do Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares.




Quadro 1- Principais lavouras comerciais (Comparação 1998 x 2021) Quadro 2- Renda média proporcionada pelos principais cultivos comerciais (Café, pimenta, do reino e seringueiras.)







Quadro 3- Cultivos e atividades para consumo familiar
Neto, Jaime Bernardo, et al.2021. “Reforma Agrária e sua potencialidade para a inclusão social e geração de renda e emprego – Um estudo de caso sobre o Assentamento Zumbi dos Palmares.” Poster apresentado ao final da pesquisa de extensão da FAPES. Nova Venécia, 2021.

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2 Historicamente houve poucas exceções a essa regra, dentre as quais se destacam as políticas de incentivo à colonização de áreas ainda pouco integradas à economia nacional, como os atuais estados da Região Sul e também partes do Espírito Santo, onde visando atrair colonos, os Governo Imperial e/ou Provincial adotaram políticas de concessão de terras sob a forma de pequenas propriedades rurais por meio de doações ou de vendas com condições de pagamento facilitadas por meio de subsídios e/ou longos prazos de financiamento.

3 Ainda hoje a população brasileira é majoritariamente não branca, com os sucessivos Censos Demográficos do IBGE evidenciando que a maioria dos cidadãos brasileiros são negros ou pardos. Todavia, até meados do século XIX, essa desproporção era ainda mais acentuada, com os brancos (ou seja, os descendentes diretos de europeus) representando um percentual diminuto da população brasileira, muito menor que o atual.

4 No âmbito acadêmico, agricultura familiar e agricultura camponesa não são tidos como sinônimos. Existe um longo debate teórico-conceitual acerca dessa relação.Todavia, em função da complexidade e profundidade desse debate, optou-se aqui por não abordá-lo e usar esse termo não como sinônimos propriamente, mas como categorias que se referem a uma produção agropecuária praticada em pequenas e médias propriedades rurais com prevalência da utilização da mão-de-obra da própria família.

5 Academicamente, costuma-se definir o que seria uma agricultura capitalista ou agronegócio em oposição à agricultura camponesa. O processo produtivo da agricultura camponesa inicia-se a partir do uso da terra para produção de gêneros que serão usados para satisfazer as necessidades da família, seja pelo consumo direito ou pela venda/troca no mercado visando aquisição de outros produtos. A agricultura camponesa, quando insere seus produtos no mercado, o faz, portanto, pela lógica M – D – M: produz uma mercadoria que será convertida em dinheiro (mediante venda) e com esse recursos a família proverá suas demais necessidades, adquirindo outras mercadorias ou serviços. A agricultura capitalista segue a fórmula inversa: D – M – D´s; ela inicia-se a partir de um sujeito que, detendo capital, o investe na forma de aquisição de terras e contratação de mão-de-obra, visando a obtenção de um certo produto agropecuário, que ao ser revendido no mercado, resultará num montante superior ao custeio da produção, multiplicando o capital inicial (ou sejam resultará em capital final maior que aquele inicialmente investido.

6 Como o próprio desenvolvimento de novas tecnologias têm tendido a reduzir esses riscos (tanto trabalhistas como ambientais) em alguns setores da agropecuária, não é incomum que haja mudanças de papel em algumas atividades, com entrada do agronegócio em ramos que tradicionalmente eram nicho da agricultura camponesa/familiar (tal qual ocorreu com o arroz a partir das décadas de 1970 e 1980).

7 As propriedades de maior porte, nesse caso, tendem a não se inserir na atividade ou, quando eventualmente o fazem, tendem a recorrer a relações de meação ou parceria como forma de reduzir tais riscos, não fazendo uso de assalariamento, o que acaba também por corroborar a alta densidade demográfica das áreas rurais.

8 Quando a escolha da família acerca do que produzir é guiada por suas próprias necessidades de subsistência, com venda do excedente.

9 Atualmente, mais de 80% dos recursos públicos destinados ao financiamento da produção agropecuária são usufruídos pelas grandes unidades produtivas, com menos de 20% chegando até os agricultores familiares do país, o que por si só já é um grande estímulo à expansão dos grandes imóveis rurais em detrimento das pequenas e médias propriedades.

10 De fato, há uma experiência nas primeiras décadas do século XIX com assentamento de imigrantes vindos do arquipélago de Açores em Viana, mas foi algo de proporções pequenas quando comparado às correntes migratórias que se intensificam a partir da década de 1840.

11 O teólogo Leonardo Boff, um dos expoentes dessa vertente católica, assim a define: “A Teologia da Libertação nasceu na Igreja Católica como resposta à contradição existente na América Latina entre a pobreza extrema e a fé cristã de maioria de sua população. Para a T.d.L esta situação de pobreza fere o espírito do Evangelho, ofendendo a Deus. […] A Teologia da Libertação encontrou seu nascedouro na fé confrontada com a injustiça feita aos pobres” (BOFF, 2010, p. 14)”